Sistema vicariante ou duplo binário? Qual o sistema adotado pelo Brasil em relação às medidas de segurança?

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19 de março2 min. de leitura

Olá, pessoal, tudo certo?

Falaremos no post de hoje sobre um importante tema relacionado às medidas de segurança no âmbito do direito penal brasileiro. Você se lembra o que é uma medida de segurança?

Vamos revisar! Podemos defini-la como uma modalidade/espécie de sanção penal cujo fito é essencialmente preventivo, já que se destina a tratar inimputáveis e semi-imputáveis que ostentem o caráter de periculosidade. Ao contrário da sanção pena, que se vincula essencialmente ao aspecto da culpabilidade, as medidas de segurança demandam do juízo uma prognose voltado para a periculosidade do agente.

Constatada, na situação concreta, a periculosidade do imputado, a solução legislativa será a imposição de medida de segurança, a partir de uma SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA, já que culmina com uma sanção penal.

Vale atentar para a Súmula 422 do STF que indica que a “absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade”.

Durante muito tempo, o legislador brasileiro agasalhou o chamado SISTEMA DO DUPLO BINÁRIO (duplo trilho ou dupla via), pelo qual o semimputável cumpriria inicialmente a pena privativa de liberdade e, ao seu final, se mantida a presença da periculosidade, seria submetido a uma medida de segurança!

Atenção porque não é mais assim, ok?

Com a reforma efetivada na parte geral do nosso Código Penal pela Lei 7.209/1984, alterou-se esse entendimento, com importantes reflexos para o semimputável. Em relação a ele, haverá a prolação de uma sentença condenatória, podendo haver a diminuição de 1/3 a 2/3, conforme parágrafo único do artigo 26 do CPB.

Todavia, se o magistrado constatar que pela periculosidade ostentada no caso concreto se revelar mais efetivo um tratamento curativo, essa pena reduzida pode perfeitamente ser substituída por uma medida de segurança, conforme indica o artigo 98 do CPB[1].

Diante dessa alteração legislativa, afirma-se que o legislador pátrio passou a adotar expressamente o Sistema VICARIANTE ou UNITÁRIO, superando o sistema do duplo binário. Assim, ao semimputável será aplicada a pena reduzida de 1/3 a 2/3 OU a medida de segurança, conforme seja mais adequado ao caso. É dizer, pois, que NÃO MAIS É ADMITIDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E MEDIDA DE SEGURANÇA, ainda que em sequência.

Entendi, Pedro! Mas vamos imaginar a seguinte situação. João cumpre uma pena privativa de liberdade em razão de ter cometido a crime X. Durante o cumprimento da pena, vem a ser condenado em outra ação penal (desta feita pelo crime Y), culminando com o reconhecimento de sua semimputabilidade!

Pode o juiz fixar medida de segurança ou isso seria violação ao sistema vicariante?

De acordo com decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (2016), no julgamento da ordem de habeas corpus 275.635/SP, durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, o fato de ter sido imposta ao réu, em outra ação penal, medida de segurança referente a fato diverso NÃO IMPÕE A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE QUE ESTAVA SENDO EXECUTADA EM MEDIDA DE SEGURANÇA.

O sistema vicariante afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma vez que a aplicação conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que o mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato.

De acordo com o entendimento adotado, pois, o sistema vicariante ora vigente é óbice para a fixação cumulativa de medida de segurança e pena privativa de liberdade ao semimputável PELO MESMO FATO! Lado outro, como na situação concreta apreciada, se as sanções diversas se revelarem oriundas de fatos também diversos, não há que se falar em violação ao sistema vicariante!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. 
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