Por Gabriel Bazalia Sales
- CONCEITO DE NORMAS COLETIVAS
Normas Coletivas são instrumentos negociados entre sindicatos representativos de categorias profissionais e sindicatos econômicos/patronais, que conferem condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores, como meio de criar ou ampliar benefícios, além de estatuir obrigações e deveres às partes, privilegiando as relações negociais.
Neste sentido discorre o juiz do Trabalho Luciano Martinez1:
“Tal ajuste, além de acabar com as contendas entre os sujeitos coletivos, estabelece condições aplicáveis às relações individuais de trabalho em caráter mais vantajoso do que aquele oferecido pela lei, desde que, evidentemente, essas condições supletivas não contrariem o interesse público.”
A negociação coletiva surge também como meio de solução de conflitos e nossa CF privilegiou a negociação privada entre as partes em seu artigo 7º, inciso XXVI, que assim estabelece:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;”
Em síntese, a negociação coletiva é uma importante ferramenta de solução de conflitos e meio de ampliação e melhoria das condições de trabalho.
- ESPÉCIES DE NORMA COLETIVA
Norma coletiva é gênero e as espécies de negociação são: (i) Convenção Coletiva de Trabalho; e (ii) Acordo Coletivo de Trabalho.
Os conceitos das duas espécies de negociação acima mencionadas estão inseridos no artigo 611 da CLT, caput e parágrafo 1º, que abaixo transcrevemos:
“Art. 611. Convenções coletivas de trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho.
- 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho.”
Em suma, as convenções coletivas de trabalho são negociadas entre os sindicatos profissionais e os sindicatos econômicos/patronais. Já os acordos coletivos consistem em ajustes entre o sindicato dos trabalhadores e uma ou mais empresas, restringindo o âmbito de aplicação às partes convenentes.
- VIGÊNCIA DAS NORMAS COLETIVAS. CRIAÇÃO DA SÚMULA 277 DO TST E SUAS ALTERAÇÕES
Embora as normas coletivas sejam meios de beneficiar os empregados, a CLT fixou prazo de vigência para estes instrumentos, especificamente em seu artigo 613, inciso II, consignando que devem estabelecer um prazo de validade, ou seja, vedando implicitamente a indeterminação de prazo.
Neste sentido, o parágrafo 3º do artigo 614 da CLT dispõe expressamente a vedação de negociação de norma coletiva superior a 2 (dois) anos.2
Assim, sobre a vigência da norma coletiva, conclui-se inicialmente que não pode vigorar por mais de 2 (dois) anos, de modo que as obrigações estatuídas necessitam de nova negociação após expirada a sua validade.
Neste sentido, o TST editou súmula, de número 277, 1988, com a seguinte redação original:
“Súmula 277. Sentença normativa. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho.
As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.”
De acordo com esse entendimento, as condições negociadas por normas coletivas, ou determinadas por sentença normativa, vigorariam pelo prazo estipulado na norma, observando-se a limitação legal de 2 (dois) anos, não se integrando ao contrato de trabalho, o que inicialmente demonstrou-se harmônico com as disposições contidas na CLT.
De acordo com essa diretriz originária, após o prazo, as obrigações negociadas não mais deveriam ser observadas, devendo nova negociação ocorrer entre as partes, para que as mesmas ou novas condições fossem fixadas.
Isso vigorou por alguns anos, até que em 1992 fora promulgada a lei 8.542/92, que em seu artigo 1º, parágrafo 1º, dispunha o seguinte:
“Art. 1° A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei.
- 1° As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.”
Por tal entendimento consubstanciado na lei acima mencionada, as condições negociadas por acordos ou convenções coletivas de trabalho deveriam integrar o contrato de trabalho individual, de modo que prevaleceria a regra geral da impossibilidade de alteração lesiva, salvo exceção expressa na lei, que é a nova negociação coletiva, em que, por consequência, revoga as disposições anteriores pactuadas.
A lei 8.542 vigorou de 1992 a 1995, sendo revogada pela MP 1.709, convertida na lei 10.192/01.
Assim, em 25/11/2009, o TST alterou a súmula 277 para consignar apenas o entendimento anterior, ou seja, não integração das disposições negociadas por acordos ou convenções coletivas de trabalho ao contrato de trabalho, ressalvando o período de vigor da lei 8.542, conforme redação abaixo transcrita:
“Súmula 277. Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho
I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.
II – Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23/12/1992 e 28/07/1995, em que vigorou a lei 8.542, revogada pela MP 1.709, convertida na lei 10.192/01.”
Sem qualquer justificativa, em sessão realizada pelo Tribunal Pleno em 14/09/2012, o TST alterou a redação da súmula 277 para consolidar entendimento de que as disposições negociadas por normas coletivas não poderiam ser suprimidas, com exceção das negociações posteriores, integrando-se as normas negociadas ao contrato de trabalho dos empregados alcançados pela negociação coletiva.
Assim, a súmula 277, sem sequer existirem precedentes que embasassem a mudança radical de entendimento do TST, passou a ter a seguinte redação:
“Súmula 277 do TST. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/09/2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.”
Por tal entendimento, mesmo que a norma coletiva esteja vencida/expirada, prevalece a obrigação das partes de observarem as disposições econômicas e sociais que não tenham determinação de prazo específico para duração, até posterior norma que estabeleça novas condições.
- QUESTIONAMENTO JUDICIAL ACERCA DA LEGALIDADE DA SÚMULA 277 DO TST. DECISÃO LIMINAR DO STF SUSPENDENDO TODOS OS CASOS QUE VERSEM SOBRE A ULTRATIVIDADE DA NORMA COLETIVA
A atual redação da súmula 277 do TST causou e causa muita divergência sobre a sua legalidade em si, gerando diversos questionamentos judiciais sobre a ultratividade ou não das normas coletivas.
Tais questionamentos chegaram à nossa Suprema Corte, por meio da ADPF 323, que teve como requerente a Confenem – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino.
Segundo posicionamento do TST, o atual entendimento consolidado pela súmula 277 seria decorrente de intepretação constitucional do art. 114, parágrafo segundo, oriundo da EC 45 /04, que teria reinserido o princípio da ultratividade das normas coletivas, já que a redação anterior do texto constitucional não consignava o termo “anteriormente”.
Segue abaixo o mencionado artigo, em sua atual redação:
“Art. 114, § 2º, CF: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Assim, no dia 14/10/2016, o ministro Gilmar Mendes proferiu decisão liminar nos autos da ADPF 323, na qual determinou a suspensão de todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que discutam a aplicação da ultratividade de normas de convenções e de acordos coletivos.
Na decisão, o ministro destacou que “o TST parece valer-se de alteração meramente semântica, que não pretendeu modificar a essência do dispositivo constitucional e, consequentemente, aumentar o âmbito de competências da Justiça do Trabalho.”
Em seguida, o ministro Gilmar Mendes esclarece que o termo “anteriormente” refere-se às sentenças normativas, em que o Poder Judiciário certamente precisa analisar a questão sob o prisma do artigo 468 da CLT, que veda expressamente a alteração lesiva, o que não significa dizer que o texto convencional vencido prevalecerá em vigor sem qualquer alteração, podendo a empresa negociar a não aplicação por meio de concessão de compensações ao trabalhador.
O ministro Gilmar Mendes ainda complementou o seguinte:
“O vocábulo introduzido pela EC 45/04 é voltado, portanto, a delimitar o poder normativo da Justiça do Trabalho. Na hipótese de não ser ajuizado dissídio coletivo, ou não firmado novo acordo, a convenção automaticamente estará extinta.”
Por fim, consignou em seu voto que tentar reinserir ao princípio da ultratividade poderia configurar uma “fraude hermenêutica”, por extrair entendimento de onde não há, apenas para fundamentar um posicionamento equivocado.
Evidenciou-se, portanto, que a questão da ultratividade das normas deve ser debatida pelo plano infraconstitucional, como já ocorreu com a revogada lei 8.542/92, sob pena de violação aos princípios constitucionais da legalidade e da separação dos poderes, previstos, respectivamente, no inciso II do art. 5º e caput do art. 2º.
Como consequência deste entendimento, o ministro determinou, liminarmente, a suspensão de todos os processos e efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas.
- CONCLUSÃO
Com a decisão proferida pelo STF, a súmula 277 do TST restou suspensa, não se aplicando o consubstanciado pela atual redação. E nesse cenário, atualmente prevalece o entendimento de que as disposições negociadas por convenções ou acordos coletivos de trabalho não integram o contrato de trabalho, possuindo prazo de vigência a ser respeitado pelas partes contratantes.
No entanto, referida decisão não significa dizer que as empresas não precisarão mais negociar ou cumprir os instrumentos coletivos, pois na ausência de nova negociação de um acordo coletivo de trabalho, devem-se aplicar as disposições contidas em convenção coletiva de trabalho.
Vale destacar, ainda, que os sindicatos podem objetivar o cumprimento das normas coletivas por meio de ações de cumprimento, além de buscarem judicialmente a negociação coletiva por meio de dissídios coletivos, passando pela deflagração de greve.
Por fim, é válido sopesar que a determinação do STF foi em caráter liminar, de modo que eventuais decisões futuras podem alterar o contexto atual, explicitado no presente artigo.
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- MARTINEZ, Luciano – Curso de Direito do Trabalho, 2015, 6ª Edição – Editora Saraiva – página 863.
- Art. 614 – Os Sindicatos convenentes ou as emprêsas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acôrdo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.
(…) § 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acôrdo superior a 2 (dois) anos.
Fonte: http://www.migalhas.com.br
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