O mal é uma realidade. Pode contaminar as relações humanas a qualquer momento, afligindo-nos em todos os campos: financeiro, sentimental, emocional, espiritual. Quando não é evidente em tragédias, catástrofes, doenças, maledicências e ilícitos cruéis, está por aí, disfarçado de boa vontade, travestido de boas ações. Isso quando não se manifesta por meio da inveja, do orgulho, do ódio, da vaidade, da vingança… Que somos vítimas dele, é fato, mas também é inegável que, consciente ou inconscientemente, o praticamos.
Uma das grandes dúvidas que nos acompanham desde o momento em que adquirimos consciência como seres racionais diz respeito à essência da bondade e da maldade. Grandes pensadores já se debruçaram sobre o tema. O filósofo Jean-Jacques Rosseau, por exemplo, concluiu que o homem nasce bom, e é sua caminhada na sociedade que pode corrompê-lo. No outro extremo, Thomas Hobbes defendia que o homem é originalmente mau e egoísta, sendo necessário um Estado opressor para controlar-lhe os impulsos e as vontades. Santo Agostinho (354-430), por sua vez, entendia que, “se o bem vem de Deus, o mal se origina de ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir erroneamente as próprias vontades”. Na filosofia de Baruch Spinoza, as concepções de bem e mal são relativas: o que é bom para mim pode não sê-lo para você. Até Shakespeare abordou o assunto; em sua peça mais conhecida, Hamlet reflete: “As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito”. Por fim, segundo o dramaturgo francês Charles de Musset, “o mal existe, mas nunca sem o bem, tal como a sombra existe, mas jamais sem a luz”.
Ora, se é tão difícil apenas definir o que é o mal; se foge a nossa compreensão a mera natureza dele, como podemos nos propor combatê-lo? Mais: por que devemos assumir o compromisso de lutar contra ele?
Veja bem, amigo leitor: não sou padre, pastor nem filósofo; tampouco me considero um profundo estudioso das escrituras. Além disso, como vimos, a maldade, particularmente a humana, já foi objeto da análise de sábios tão grandiosos, que preciso ter humildade para admitir minha provável incapacidade de, querendo escrever sobre o assunto, sequer chegar perto do que a literatura nos legou ao longo dos séculos. A matéria é complexa, e, sobre ela, deparamos com opiniões de todos os tipos, a depender de crença, fé, religião ou formação. Ainda assim, quero aqui dar minha pequena contribuição para o debate. Penso que, independentemente da origem e da relatividade do mal, da mesma forma que apenas a luz é capaz de acabar com a escuridão, só existe uma coisa capaz de vencer a maldade: praticar o bem.
Uma pessoa virtuosa, propensa a fazer o bem, costuma ter sólidos valores éticos e morais. A ética e a moral são, de fato, poderosas quando se trata de identificar com mais facilidade o que é negativo para a coletividade e de combater a maldade pela raiz. “O esforço para compreender é o fundamento da virtude”, registrou Spinoza. Isso faz do conhecimento o maior bem ligado à ética, percebe? E qual é o conhecimento mais importante que precisamos ter se quisermos alcançar essa virtude? Penso que seja o conhecimento de nós mesmos, de nossas próprias emoções.
Diferentemente do que supõem muitos microeconomistas, com seus ensaios baseados na lógica, o homem não é um ser inteiramente racional. Ele é, na verdade, altamente influenciado pelas emoções. A gestão – ou a ausência dela – de nossos sentimentos pode nos levantar ou derrubar, nos levar a fazer o bem ou a propagar o mal. Sentimentos envolvendo vingança, vaidade ou raiva podem perfeitamente ser o berço para o mal e atrasar nossa vida. Se você foi vítima de fofocas, por exemplo, ansiar por vingança pode atrapalhar ainda mais a realização dos seus objetivos, porque o torna escravo desse rancor. Entendo que a melhor reação seja exatamente a oposta: desejar tudo de bom para os maledicentes. Da mesma forma, se, quando criança, você sofreu pela falta de amor dos pais, o ideal é fazer o bem hoje, sendo um exemplo de mãe ou pai amoroso para com seus filhos.
Você pode contra-argumentar, dizendo que não é lá muito factível agir dessa forma na prática, quando somos tomados por sentimentos ruins. Emoções como raiva apenas surgem, independentemente da nossa vontade. Minha réplica é: na hora H, apenas faça a sua parte. Sei que é muito difícil transformar essas palavras em ação. É mais fácil falar do que efetivamente perdoar, amar e fazer o bem ao inimigo ou a alguém que nos tenha ofendido, caluniado, agredido. Contudo, na minha visão, devemos ao menos tentar não desejar o mal ao outro e, em vez disso, fazer um esforço em benefício dele. Acredito de verdade que mais sofre quem odeia do que a vítima do ódio. O malfeitor bebe a maior parte do veneno que produz. Se é assim, cabe a nós combater o mal com o bem, seja porque é o certo a fazer, seja porque é melhor para nós mesmos.
Indiscutivelmente um dos maiores exemplos de autocontrole que já passaram pela Terra, Mahatma Gandhi deixou uma grande lição sobre o tema, que foi incluída no livro “A virtude da raiva”. Certa vez, quando tinha nove anos de idade, o neto do sábio, Arun Gandhi, chorando, confessou ao avô que sentia raiva o tempo todo e não sabia o que fazer a respeito disso. Gandhi, então, contou-lhe a história de um garoto mais ou menos da idade do neto, que estava zangado porque nada parecia acontecer do jeito que ele queria. A criança não conseguia reconhecer o valor do ponto de vista das outras pessoas, então, quando implicavam com ela, reagia com acessos de raiva. A essa altura, o neto de Gandhi já suspeitava ser ele o tal menino, mas continuou escutando, atento. O avô continuou: “Um dia, ele se meteu numa briga feia e acidentalmente matou alguém. Num momento impensado de cólera, destruiu a própria vida ao tirar a vida de outra pessoa.”
A história serviu como alerta, pois o avô sabia das confusões envolvendo o neto. No entanto, o desfecho da lição foi inusitado. Gandhi, aquele que surpreendeu o mundo ao responder à violência e ao ódio com amor e perdão, disse ao garoto que ter raiva é bom. “Eu sinto raiva o tempo todo”, assumiu. Aquilo parecia estranho. Arun nunca tinha visto o avô zangado. Gandhi explicou que aprendera a redirecionar a raiva para o bem. Segundo ele, essa emoção pode ser, para as pessoas, como o combustível é para o automóvel, fornecendo energia para o indivíduo seguir em frente e chegar a um lugar melhor. Sem um pouco de raiva, talvez não tivéssemos motivação para enfrentar certos desafios. A raiva deve ser entendida como uma grande força capaz de desencadear violência ou, administrada com sabedoria, nos ajudar a encontrar soluções com amor e verdade. Quem direciona a raiva a destruir o outro corre o risco de destruir a si mesmo, tal como o menino da história. Já quem a transforma em potência de agir, pode fazer o inimaginável, como combater um império sem nenhuma violência, tal qual fez o próprio Gandhi.
Surpreso, Arun descobriu que o avô, à época chamado pelo título honorífico Mahatma, havia sido uma criança rebelde. Pior: na juventude, roubara dinheiro dos pais para comprar cigarros, vivia se metendo em encrenca e fora rude até com a esposa, a quem ameaçara várias vezes de expulsão do lar. A diferença foi que, caindo em si e percebendo que não gostava nem um pouco de quem estava se tornando, decidiu moldar-se como uma pessoa melhor. Foi então que passou a se controlar mais e a redirecionar tudo dentro de si para o bem.
Lição semelhante é encontrada nas escrituras. Em Romanos 12:21, aprendemos que não devemos nos deixar vencer pelo mal, buscando vencer “o mal com o bem”. Textualmente, o conselho é “não se deixem vencer”, dando a entender que temos a capacidade dentro de nós de superar o mal. Como? Gerenciando nosso Eu, nossas emoções, e usando o autoconhecimento para praticar o bem.
Então é isto, concurseiro: faça o bem estudando, buscando conhecer-se melhor, ajudando o próximo, gerenciando as emoções, redirecionando os sentimentos aparentemente ruins para o amor e sem perder tempo com maledicências, vingança, rancor. Use o autoconhecimento para ao menos tentar converter sua energia, momentaneamente voltada para o mal, para fazer o bem. Haja o que houver, controle o impulso de conduzi-la para o outro caminho. O mundo agradecerá. O seu futuro – dentro e fora dos concursos – agradecerá. O seu Eu agradecerá.
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Gabriel Granjeiro – Diretor-Presidente e Fundador do Gran Cursos Online. Vive e respira concursos há mais de 10 anos. Formado em Administração e Marketing pela New York University, Leonardo N. Stern School of Business. Fascinado pelo empreendedorismo e pelo ensino a distância