Diário de Carreira: a rotina de um delegado plantonista da Polícia Civil do RJ

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28 de Setembro de 2017

Fonte: JOTA
Como toda narrativa nada mais correto do que começar com uma breve introdução — neste caso, da minha história como Delegado de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Ingressei na Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) no XII Concurso Público de Provas e Títulos, no ano de 2012. Antes, atuei como advogado cível de alguns escritórios de advocacia de prestígio. Desde que me tornei Delegado de Polícia – deixando de lado a fantasia que as pessoas têm do cargo e convivendo com o dia-dia – me apaixonei ainda mais pelo trabalho. Hoje posso falar com toda certeza que estou em um lugar onde é possível fazer a diferença e ajudar as pessoas.
O Delegado de Polícia é o primeiro habilitador do Direito Penal – explico: Direito Penal não deve ser confundido com Poder Punitivo. Ele deve ser visto como o conjunto de pressupostos jurídicos de imputação para limitar o exercício arbitrário e irracional da privação de liberdade do cidadão. O conceito de crime não é simplesmente um mero ataque ao direito posto, mas um conceito analítico-científico (tipicidade, ilicitude, culpabilidade) que serve para evidenciar todos os pressupostos de punibilidade de uma conduta. Em outras palavras, cumpre ao Delegado de Polícia uma verdadeira função de “filtro”/”seleção” dos acontecimentos sociais que porventura possam ter repercussão criminal.
Minha primeira lotação na Polícia Civil foi como Delegado Adjunto da 34ª DP (Bangu) – aqui vale uma breve explicação sobre a estrutura interna dos Delegados na PCERJ: os Delegados são divididos em (i) Delegado Titular (responsável pela Unidade de Polícia Judiciária – as funções de gestor e coordenador de investigação são típicas do Delegado Titular), (ii) Delegado Assistente (auxilia o Delegado Titular nas investigações) e (iii) Delegado Adjunto (responsável por lavrar os autos de prisão em flagrante de determinada área que pode abranger mais de uma Delegacia de Polícia, além de também participar das investigações da Delegacia).
Como Delegado Adjunto minha rotina de trabalho, na Capital, ocorre no regime de plantão de 24 horas (24 horas de plantão e 72 horas de folga). Desde que assumi o cargo passei grande parte do meu tempo trabalhando como Delegado Adjunto; comecei na 34ª DP (Bangu), onde respondia também pelos flagrantes apresentados na 33ª DP (Realengo) e pelo presídio de Gericinó (Complexo de Bangu). Depois, trabalhei na Delegacia de Apoio ao Turista (DEAT), 65ª DP (Magé) e 61ª DP (Xerém).
Na Delegacia Especial de Apoio ao Turista (DEAT) trabalhei em 2 momentos. Primeiro em 2014 e recentemente durante as Olimpíadas Rio 2016, como parte do Planejamento Operacional da instituição. A experiência foi a melhor possível. Graças ao planejamento a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro atuou com maestria em casos de grande repercussão, como na prisão do presidente do Comitê Olímpico Irlandês e no caso dos nadadores americanos (em que tive a oportunidade de participar ativamente). Devo confessar que a vontade de contar toda a história que envolveu o falso roubo sofrido pelos nadadores americanos é grande, afinal a narrativa toda parece até roteiro de filme hollywoodiano, mas não fugirei do objetivo principal do artigo.
Atualmente estou lotado como Delegado Adjunto na 5ª DP (Lapa), respondendo pelas situações flagranciais apresentadas na 1ª e 4ª DPs (Centro do Rio de Janeiro), 7ª DP (Santa Teresa), Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM – após as 18 horas e fins de semana) e pela Projeção da Polícia Civil na Ilha de Paquetá.
A 5ª DP é uma histórica Delegacia na PCERJ, isto porque foi a primeira Delegacia a ser incluída no projeto Delegacia Legal (foi o projeto piloto) e também por ser uma das Delegacias com maior número de ocorrências.
Plantão de sábado
Plantão de sábado na 5ª DP sempre é tumultuado. A Delegacia fica localizada na região da Lapa, maior ponto boêmio do Rio de Janeiro; logicamente acaba absorvendo todo tipo de ocorrências, desde confusões em bares e boates até tráfico de drogas de favelas extremamente críticas que abrangem a área.
A previsão calamitosa que, em todo início de plantão, é feita por algum policial da equipe, hoje se concretizou rapidamente. Logo na parte da manhã recebemos a notícia que traficantes da facção A.D.A. (Amigo dos Amigos) estariam tentando invadir a favela do Fallet – área da 7ª DP – que é controlada pela facção Comando Vermelho.
Poucas horas depois foram apresentados pela Polícia Militar 3 indivíduos capturados após troca de tiros com os policiais. Juntamente com os conduzidos foram apresentados 2 fuzis, rádio comunicador e farta quantidade de drogas.
Nesse ponto vale um adendo para explicar, em poucas linhas e de forma bem superficial, como é realizada a lavratura do auto de prisão em flagrante. O artigo 301 do Código de Processo Penal (CPP) prevê que qualquer pessoa pode e as autoridades policiais e seus agentes devem prender quem se encontra em flagrante delito (hipóteses do art. 302 do CPP). Esse primeiro momento é chamado de prisão-captura, ou seja, alguém em situação aparentemente flagrancial é conduzido ao Delegado de Polícia.
A partir da apresentação do conduzido, o Delegado de Polícia preside as oitivas, iniciando pelos condutores, seguido por testemunhas e o conduzido (art. 304 do CPP). Formada sua convicção acerca do delito praticado, caberá ao Delegado proferir a decisão do flagrante expondo os motivos de fato e direito que levaram à prisão em flagrante. Caberá ainda ao Delegado representar pela prisão preventiva, aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ou liberdade provisória do conduzido (nos casos que não cabem fiança).
No caso do entendimento ser pela não lavratura do flagrante, seja por entender que o fato é de menor potencial ofensivo (o Termo Circunstanciado é um juízo negativo de flagrante – é a constatação de que o fato apresentado não configura um delito mais grave), seja pela inexistência de fato típico ou até mesmo pela necessidade de outras diligências para apontar a autoria ou materialidade do delito também deverá o Delegado de Polícia fundamentar o motivo de sua decisão.
Durante o dia e noite a movimentação da Delegacia foi intensa, especialmente à noite em razão da localidade. Ao todo foram aproximadamente 50 registros de ocorrência, bem como 4 flagrantes lavrados no total.
Plantão de quarta-feira
Além dos registros de ocorrência e de 3 autos de prisão lavrados, separei o dia para dar continuidade na investigação originária de uma denúncia feita na CAC (Central de Atendimento ao Cidadão da Polícia Civil) que informava que determinado indivíduo teria grande quantidade de material de pedofilia em sua residência.
Durante a tarde uma pessoa ligada ao investigado compareceu na Delegacia para prestar depoimento confirmando que o investigado possuía o material e corroborou determinados pontos que já havíamos apurado em diligências anteriores.
Após a consolidação de todas as informações representei imediatamente pela busca e apreensão domiciliar na residência do investigado, que foi deferida pelo juízo competente no final da tarde. Durante a noite, juntamente com o Delegado Titular da unidade, foi designada equipe para realização da diligência na manhã de quinta-feira.
Às 5 horas da manhã, 5 policiais civis da Delegacia compareceram para o briefing da diligência, que foi iniciada imediatamente.
Ao chegarmos à residência do investigado (era um apartamento de classe média), às 6 horas da manhã, não demorou muito para que encontrássemos centenas de DVDs com todos os tipos de pornografia que se possa imaginar. O que surpreendeu foi a organização do investigado que separava os DVDs por fetiches, tudo devidamente catalogado.
No fundo de um armário encontramos um case com aproximadamente 30 DVDs que não tinham qualquer indicação da “categoria” da pornografia (diferente dos demais). Ao abrirmos o primeiro DVD ainda no local constatamos a existência de inúmeras pastas com dezenas de vídeos envolvendo pedofilia. Na mesma hora foi dada voz de prisão ao investigado.
Retornamos à Delegacia, conduzindo o investigado preso, aproximadamente 10 horas da manhã. O outro Delegado Adjunto, por ser o Delegado com atribuição pelo plantão, lavrou o Auto de Prisão em Flagrante do investigado pela prática do crime previsto no art. 241-B do Estatuto da Criança e Adolescente.
Plantão de domingo
O plantão de domingo foi relativamente tranquilo. Foram realizados 32 Registros de Ocorrência, além de ser lavrado 1 flagrante pela prática do art. 303, p.ú. c/c art. 302, §1º, II e III, do Código de Trânsito Brasileiro, no qual um indivíduo atropelou uma pessoa e fugiu do local sem prestar socorro. Também foi lavrado auto e apreensão de adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas.
Outro fato marcante ocorrido no plantão foi o típico caso que lemos nos livros de Direito Penal. Um indivíduo foi apresentado, após haver furtado 10 barras de cereal em um supermercado da região. Na Delegacia o conduzido alegou que estava desempregado e havia furtado para revender no ponto de ônibus.
O valor total dos bens subtraídos era evidentemente insignificante, principalmente se considerarmos quem era o lesado. Também estavam presentes os requisitos para aplicação do princípio da insignificância, quais sejam: (i) mínima ofensividade da conduta; (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Nesse mesmo sentido, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro publicou o Enunciado nº 10 do I Congresso Jurídico dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro que dispõe que “o Delegado de Polícia pode, mediante decisão fundamentada, deixar de lavrar o auto de prisão em flagrante, justificando o afastamento da tipicidade material com base no princípio da insignificância, sem prejuízo de eventual controle externo”.
Assim sendo, deixei de lavrar o auto de prisão em flagrante, reduzindo a termo os depoimentos dos envolvidos e elaborando Relatório de Inquérito no qual concluí pela atipicidade da conduta. Após o procedimento foi remetido à Justiça, em atendimento ao art. 28 do Código de Processo Penal.
Trabalhar em regime de plantão pode até parecer ser algo relativamente tranquilo (ainda mais quando se pensa que após 24 horas de trabalho serão 3 dias de descanso em casa), mas na realidade é justamente o contrário, principalmente quando se está lotado em uma Delegacia muito movimentada. Após o término do plantão é comum que estejamos em um estado de completa exaustão física e mental, até porque a regra é não ter tempo sequer para tirar um rápido cochilo para recuperar as energias. Já tive plantões nos quais, em razão do desdobramento de investigações, acabei ficando mais de 35 horas trabalhando ininterruptamente. Nessas ocasiões, embora no final estivesse mais para um zumbi, com o terno todo amassado e feição de moribundo, uma coisa é certa: vale cada minuto. Retorna-se para casa com a certeza de que foi feita a diferença e que todas as horas acordado sob intenso estresse valeram a pena.
Por fim, ao longo daquela semana, além da rotina da Delegacia ainda tive a oportunidade de ter sido convidado pelo SBT para comentar no programa jornalístico da tarde “SBT Rio” durante 2 dias. Trata-se de uma atividade que me deixa muito lisonjeado. É sempre gratificante poder apresentar à sociedade um pouco da perspectiva do trabalho que envolve a Polícia Judiciária e todo o sistema criminal.



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