Elemento subjetivo no homicídio

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2 de Outubro de 2018

Segundo a clássica corrente do causalismo ou naturalismo (final do século XIX-XX), o dolo e a culpa integravam a culpabilidade. Franz Von Liszt e Ernst Von Beling foram os juristas expoentes dessa primeira corrente histórica. Para eles, criminosa era a conduta prevista como tal em lei, independentemente de o autor do fato ter atuado em dolo ou culpa. Fazia-se necessário apenas observar as relações de causa (conduta) e efeito (resultado previsto em lei como crime). Um exemplo citado comumente na doutrina é o caso de um suicida que se lança à frente de um carro. Ainda que imprevisível, o motorista deve responder pelo atropelamento, eis aqui presente a relação física de causa e efeito. Em verdade, procurou-se teoricamente separar o indissociável na prática. Mas como explicar essa corrente? Pois bem, em seu contexto, havia o receio do então recente Absolutismo Monárquico, razão pela qual deveria se cumprir a lei e não interpretá-la, afastando-se a possibilidade de valoração das leis por um soberano em detrimento do povo. Essa corrente teve a influência do Positivismo do francês Augusto Comte, que procurava explicar as relações sociais por meio de critérios das ciências exatas e biológicas.
Entre as críticas, cito duas. A primeira consiste na dificuldade em se dissociar a conduta do seu elemento subjetivo nos crimes em que a finalidade encontra-se expressa em suas próprias elementares. São diversos os exemplos. Citamos três apenas do CPB:

  • 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
  • 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
  • 159 – Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate.

A segunda crítica decorre da coação moral irresistível, que, mesmo presente, não afastaria a conduta e o resultado, não sendo, pois, valorada na análise da conduta do coagido, uma vez que apenas importa para essa teoria, repise-se, as relações de causa e efeito.
Surge então a Teoria Neoclássica ou Neokantismo, figurando como principais colaboradores os alemães Max Ernst Mayer, Edmund Mezger e Reinhard Frank, tendo como base uma filosofia de valores e a teoria da normatividade da culpabilidade de Reinhard Frank, que defendia a noção de reprovabilidade do ato. Ao valorar a conduta, a teoria neoclássica passou a afastar a reprovação da conduta praticada sob coação moral irresistível, reconhecendo, destarte, a necessidade de exigibilidade de conduta diversa, para fins de imputação da culpa. Sem dúvidas, um grande avanço. Imaginemos que alguém, coagido pelo sequestro de familiares, subtraia jóias da loja onde trabalha. Pela teoria clássica, seria responsabilizado. Pela neoclássica não, pois esta exige que o crime seja uma conduta injusta e culpável. Esse avanço afastou algumas críticas à primeira corrente, mas não foi suficiente para ela se blindar de outras.
No caso de erro de proibição, o agente realiza a conduta intencionalmente, imaginando ser uma ação permitida, mas não o é. Pelas circunstâncias e sua imaginação, aquilo era plenamente justificável. É o caso de um estrangeiro oriundo de um país onde determinada droga é permitida. Ao chegar ao Brasil, em dado local, numa festa de carnaval, testemunha o uso dessa droga inclusive nas proximidades de um posto policial. Acreditando ser permitido o uso, compra a droga, porém, quando do momento do uso, é abordado por policiais, com voz de prisão.
Como resolver esse impasse no Neokantismo se o elemento subjetivo continua na culpabilidade? Nesse caso, o autor do fato praticaria algo injusto e reprovável: uso da droga. Seria justa a prisão?. Doutrinadores procuraram afastar a culpabilidade do agente, alegando que só haveria dolo na culpabilidade, se presente a consciência de ilicitude. Não obtiveram êxito. Resolveram algumas situações, mas deixaram margem para outras, como os criminosos inatos, que não possuem a consciência individual de ilicitude, e teriam, valendo-se do Neokantismo, afastada sua responsabilidade.
A Teoria Finalista do também alemão Hans Welzel veio a refutar a Teoria Clássica e se contrapor à Teoria Neoclássica, ao sustentar que a conduta é uma ação humana, consciente, voluntária e dirigida a uma finalidade. Associou então a ação a uma finalidade, e a depender desta, a conduta poderia ser dolosa ou culposa.
Críticas logo surgiram sobre qual seria a finalidade no crime culposo. Em resposta, os defensores da Teoria Finalista argumentaram que, mesmo na conduta culposa, o agente pratica ou deixa de praticar intencionalmente uma ação, embora não tenha a intenção de provocar o resultado.
Outras teorias surgiram, porém o escopo deste artigo se reserva a contextualizar o tema, próprio da parte Geral, situando a leitora ou o leitor em um ponto importante: o elemento subjetivo.
No ordenamento jurídico brasileiro, embora tenhamos vozes contrárias, adota-se a teoria finalista, de modo que o dolo se caracteriza pela ação humana, consciente e voluntária, dirigida à finalidade de matar.
Não se deve confundir dolo e desejo. No dolo, o agente quer o resultado como consequência de sua própria conduta. Já no desejo, o agente espera o resultado como consequência de conduta ou acontecimento alheio. Desejo, pois, sem assunção do risco de produzir o resultado, não é dolo. Punir alguém por desejo é aplicar o Direito Penal do Autor e não o necessário Direito Penal do Fato.
O dolo, nesse caso considerado, é a vontade livre e consciente dirigida a matar uma pessoa, como resultado certo e determinado (dolo direto), ou a previsão do resultado como possível, assumindo-o ou tolerando-o (dolo indireto). O dolo indireto, por seu turno, divide-se em alternativo e eventual.
Para explicar o primeiro, vamos a dois exemplos: 1) Perseguido por dois policiais, o autor do fato criminoso, sem olhar para trás, dispara e alveja o policial “B”, causando-lhe a morte. Questionado na audiência de custódia, afirma que não teve vontade livre e consciente dirigida a matar o policial “B”. De fato, não teve ele dolo direto. Todavia, ao disparar, aceitou a morte de um ou outro. Temos a alternatividade quanto à vítima. 2) Após uma discussão, determinada pessoa esfaqueia a vítima e, pela intensidade e local do golpe, assumiu ele a possibilidade de ferir ou matar. Temos a alternatividade quanto ao bem jurídico tutelado: integridade física ou vida. Nos dois exemplos, ambos os resultados possuem relevância penal e, como tais, são previstos e assumidos pelo agente.
Diferentemente do alternativo, no dolo eventual, temos vontade consciente de praticar uma conduta assumindo o risco de alcançar um resultado previsto, com relevância penal, em relação ao qual se é indiferente, ou nada ocorrer. Um motorista, dirigindo sob influência alcoólica, é forçado a reduzir a velocidade em determinada avenida sem rota de fuga, diante de uma reunião noturna de diversos amantes do pedal. Impaciente, desrespeita o isolamento e decide empregar alta velocidade, acabando por atropelar um ciclista. Nesse caso, dois resultados eram possíveis: ultrapassar todos e nada ocorrer ou atropelar um ou mais ciclistas. Pela Teoria da Representação no Dolo Eventual, o resultado era previsível e de possível “visualização” ou “representação”. Ao decidir desrespeitar o isolamento e empregar alta velocidade, é possível que ocorra um atropelamento? Sim. Logo, é provável que assim agindo, irá matar alguém? Sim. Então, temos uma representação, que, no caso, é tolerada pelo agente.
Muitos possuem dificuldades em distinguir dolo eventual com culpa consciente. Nos dois casos, o resultado previsível (previsibilidade objetiva) é “representado” pelo agente (previsibilidade subjetiva). Ocorre que, no dolo eventual, o resultado é tolerado, não importando o risco (quantificação do perigo). Na culpa consciente, o agente imagina que, por alguma razão, conseguirá evitá-los, minimizando o risco com que se importa.
Suponha um graduado em Direito, a caminho do tão esperado exame da OAB. Começa a chover, e o limpador do parabrisa do carro, embora acionado, não funciona. Caso decidisse por parar o veículo, por certo iria chegar atrasado à prova. O graduado cogita parar o carro, mas entende que ainda possui razoável alcance de vista. O perigo em continuar é previsível e, em sua mente, há representação do pior: atropelar alguém ou abalroar o carro. Decide continuar, mas em velocidade reduzida, acreditando que, dessa maneira, considerando suas habilidades como motorista, nada ocorrerá. Todavia, infelizmente, atropela um pedestre. Nesse exemplo, temos a culpa consciente: resultado previsível, “representado” pelo agente, mas não tolerado por imaginar inclusive que seria possível evitá-lo.
Apresentados os elementos diferenciadores dos dolos diretos e indiretos, avancemos para a compreensão do dolo de primeiro e de segundo grau (ou dolo de consequência necessária).
O dolo de primeiro grau é o resultado imediatamente desejado pelo agente e o de segundo grau é aquele previsível (previsibilidade objetiva), previsto (previsibilidade subjetiva) e tolerado por ser uma consequência natural do dolo de primeiro grau.
Exemplificando, temos a intenção de matar uma autoridade. Após atos preparatórios, o plano mais viável é atentar contra sua vida durante o seu deslocamento ao trabalho. Um detalhe a mais foi considerado e tolerado por ser consequencia natural: a morte do motorista. Nesse exemplo, temos o dolo de primeiro grau em face da autoridade e o dolo de segundo grau em face do motorista.
Cautela na distinção do dolo eventual com o dolo de segundo grau:
Com essa diferença, observe a questão abaixo. A morte do motorista é certa (dolo de segundo grau), e as demais são um evento incerto (dolo eventual).
Ano: 2017
Banca: FAPEMS
Órgão: PC-MS
Prova: Delegado de Polícia
Analise o caso a seguir.
Com a desclassificação no torneio nacional, o presidente do clube AZ demite o jogador que perdeu o pênalti decisivo. Irresignado com a decisão, o futebolista decide matar o mandatário. Para tanto, aproveitando o dia da assinatura de sua rescisão, acopla bomba no carro do presidente que estava estacionado na sede social do clube. O jogador sabe que o motorista particular do dirigente será fatalmente atingido e tem a consciência que não pode evitar que torcedores ou funcionários da agremiação, próximos ao veículo, venham a falecer com a explosão. Como para ele nada mais importa, a bomba explode e, lamentavelmente, além das mortes dos dois ocupantes do veículo automotor, três torcedores e um funcionário morrem.
A partir da leitura desse caso, é correto afirmar que o indiciamento do jogador pelos crimes de homicídio sucederá

  1. a) por dolo direto de primeiro grau em relação ao presidente e ao motorista.
  2. b) por dolo eventual em relação ao motorista; aos torcedores e ao funcionário.
  3. c) por dolo direto de segundo grau em relação ao presidente e ao motorista.
  4. d) por dolo eventual apenas em relação aos torcedores.
  5. e) por dolo direto de segundo grau apenas em relação ao motorista.

Opção correta:  Letra “E”.

ELEMENTO SUBJETIVO NO HOMICÍDIO
Segundo a clássica corrente do causalismo ou naturalismo (final do século XIX-XX), o dolo e a culpa integravam a culpabilidade. Franz Von Liszt e Ernst Von Beling foram os juristas expoentes dessa primeira corrente histórica. Para eles, criminosa era a conduta prevista como tal em lei, independentemente de o autor do fato ter atuado em dolo ou culpa. Fazia-se necessário apenas observar as relações de causa (conduta) e efeito (resultado previsto em lei como crime). Um exemplo citado comumente na doutrina é o caso de um suicida que se lança à frente de um carro. Ainda que imprevisível, o motorista deve responder pelo atropelamento, eis aqui presente a relação física de causa e efeito. Em verdade, procurou-se teoricamente separar o indissociável na prática. Mas como explicar essa corrente? Pois bem, em seu contexto, havia o receio do então recente Absolutismo Monárquico, razão pela qual deveria se cumprir a lei e não interpretá-la, afastando-se a possibilidade de valoração das leis por um soberano em detrimento do povo. Essa corrente teve a influência do Positivismo do francês Augusto Comte, que procurava explicar as relações sociais por meio de critérios das ciências exatas e biológicas.
Entre as críticas, cito duas. A primeira consiste na dificuldade em se dissociar a conduta do seu elemento subjetivo nos crimes em que a finalidade encontra-se expressa em suas próprias elementares. São diversos os exemplos. Citamos três apenas do CPB:

  • 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
  • 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
  • 159 – Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate.

A segunda crítica decorre da coação moral irresistível, que, mesmo presente, não afastaria a conduta e o resultado, não sendo, pois, valorada na análise da conduta do coagido, uma vez que apenas importa para essa teoria, repise-se, as relações de causa e efeito.
Surge então a Teoria Neoclássica ou Neokantismo, figurando como principais colaboradores os alemães Max Ernst Mayer, Edmund Mezger e Reinhard Frank, tendo como base uma filosofia de valores e a teoria da normatividade da culpabilidade de Reinhard Frank, que defendia a noção de reprovabilidade do ato. Ao valorar a conduta, a teoria neoclássica passou a afastar a reprovação da conduta praticada sob coação moral irresistível, reconhecendo, destarte, a necessidade de exigibilidade de conduta diversa, para fins de imputação da culpa. Sem dúvidas, um grande avanço. Imaginemos que alguém, coagido pelo sequestro de familiares, subtraia jóias da loja onde trabalha. Pela teoria clássica, seria responsabilizado. Pela neoclássica não, pois esta exige que o crime seja uma conduta injusta e culpável. Esse avanço afastou algumas críticas à primeira corrente, mas não foi suficiente para ela se blindar de outras.
No caso de erro de proibição, o agente realiza a conduta intencionalmente, imaginando ser uma ação permitida, mas não o é. Pelas circunstâncias e sua imaginação, aquilo era plenamente justificável. É o caso de um estrangeiro oriundo de um país onde determinada droga é permitida. Ao chegar ao Brasil, em dado local, numa festa de carnaval, testemunha o uso dessa droga inclusive nas proximidades de um posto policial. Acreditando ser permitido o uso, compra a droga, porém, quando do momento do uso, é abordado por policiais, com voz de prisão.
Como resolver esse impasse no Neokantismo se o elemento subjetivo continua na culpabilidade? Nesse caso, o autor do fato praticaria algo injusto e reprovável: uso da droga. Seria justa a prisão?. Doutrinadores procuraram afastar a culpabilidade do agente, alegando que só haveria dolo na culpabilidade, se presente a consciência de ilicitude. Não obtiveram êxito. Resolveram algumas situações, mas deixaram margem para outras, como os criminosos inatos, que não possuem a consciência individual de ilicitude, e teriam, valendo-se do Neokantismo, afastada sua responsabilidade.
A Teoria Finalista do também alemão Hans Welzel veio a refutar a Teoria Clássica e se contrapor à Teoria Neoclássica, ao sustentar que a conduta é uma ação humana, consciente, voluntária e dirigida a uma finalidade. Associou então a ação a uma finalidade, e a depender desta, a conduta poderia ser dolosa ou culposa.
Críticas logo surgiram sobre qual seria a finalidade no crime culposo. Em resposta, os defensores da Teoria Finalista argumentaram que, mesmo na conduta culposa, o agente pratica ou deixa de praticar intencionalmente uma ação, embora não tenha a intenção de provocar o resultado.
Outras teorias surgiram, porém o escopo deste artigo se reserva a contextualizar o tema, próprio da parte Geral, situando a leitora ou o leitor em um ponto importante: o elemento subjetivo.
No ordenamento jurídico brasileiro, embora tenhamos vozes contrárias, adota-se a teoria finalista, de modo que o dolo se caracteriza pela ação humana, consciente e voluntária, dirigida à finalidade de matar.
Não se deve confundir dolo e desejo. No dolo, o agente quer o resultado como consequência de sua própria conduta. Já no desejo, o agente espera o resultado como consequência de conduta ou acontecimento alheio. Desejo, pois, sem assunção do risco de produzir o resultado, não é dolo. Punir alguém por desejo é aplicar o Direito Penal do Autor e não o necessário Direito Penal do Fato.
O dolo, nesse caso considerado, é a vontade livre e consciente dirigida a matar uma pessoa, como resultado certo e determinado (dolo direto), ou a previsão do resultado como possível, assumindo-o ou tolerando-o (dolo indireto). O dolo indireto, por seu turno, divide-se em alternativo e eventual.
Para explicar o primeiro, vamos a dois exemplos: 1) Perseguido por dois policiais, o autor do fato criminoso, sem olhar para trás, dispara e alveja o policial “B”, causando-lhe a morte. Questionado na audiência de custódia, afirma que não teve vontade livre e consciente dirigida a matar o policial “B”. De fato, não teve ele dolo direto. Todavia, ao disparar, aceitou a morte de um ou outro. Temos a alternatividade quanto à vítima. 2) Após uma discussão, determinada pessoa esfaqueia a vítima e, pela intensidade e local do golpe, assumiu ele a possibilidade de ferir ou matar. Temos a alternatividade quanto ao bem jurídico tutelado: integridade física ou vida. Nos dois exemplos, ambos os resultados possuem relevância penal e, como tais, são previstos e assumidos pelo agente.
Diferentemente do alternativo, no dolo eventual, temos vontade consciente de praticar uma conduta assumindo o risco de alcançar um resultado previsto, com relevância penal, em relação ao qual se é indiferente, ou nada ocorrer. Um motorista, dirigindo sob influência alcoólica, é forçado a reduzir a velocidade em determinada avenida sem rota de fuga, diante de uma reunião noturna de diversos amantes do pedal. Impaciente, desrespeita o isolamento e decide empregar alta velocidade, acabando por atropelar um ciclista. Nesse caso, dois resultados eram possíveis: ultrapassar todos e nada ocorrer ou atropelar um ou mais ciclistas. Pela Teoria da Representação no Dolo Eventual, o resultado era previsível e de possível “visualização” ou “representação”. Ao decidir desrespeitar o isolamento e empregar alta velocidade, é possível que ocorra um atropelamento? Sim. Logo, é provável que assim agindo, irá matar alguém? Sim. Então, temos uma representação, que, no caso, é tolerada pelo agente.
Muitos possuem dificuldades em distinguir dolo eventual com culpa consciente. Nos dois casos, o resultado previsível (previsibilidade objetiva) é “representado” pelo agente (previsibilidade subjetiva). Ocorre que, no dolo eventual, o resultado é tolerado, não importando o risco (quantificação do perigo). Na culpa consciente, o agente imagina que, por alguma razão, conseguirá evitá-los, minimizando o risco com que se importa.
Suponha um graduado em Direito, a caminho do tão esperado exame da OAB. Começa a chover, e o limpador do parabrisa do carro, embora acionado, não funciona. Caso decidisse por parar o veículo, por certo iria chegar atrasado à prova. O graduado cogita parar o carro, mas entende que ainda possui razoável alcance de vista. O perigo em continuar é previsível e, em sua mente, há representação do pior: atropelar alguém ou abalroar o carro. Decide continuar, mas em velocidade reduzida, acreditando que, dessa maneira, considerando suas habilidades como motorista, nada ocorrerá. Todavia, infelizmente, atropela um pedestre. Nesse exemplo, temos a culpa consciente: resultado previsível, “representado” pelo agente, mas não tolerado por imaginar inclusive que seria possível evitá-lo.
Apresentados os elementos diferenciadores dos dolos diretos e indiretos, avancemos para a compreensão do dolo de primeiro e de segundo grau (ou dolo de consequência necessária).
O dolo de primeiro grau é o resultado imediatamente desejado pelo agente e o de segundo grau é aquele previsível (previsibilidade objetiva), previsto (previsibilidade subjetiva) e tolerado por ser uma consequência natural do dolo de primeiro grau.
Exemplificando, temos a intenção de matar uma autoridade. Após atos preparatórios, o plano mais viável é atentar contra sua vida durante o seu deslocamento ao trabalho. Um detalhe a mais foi considerado e tolerado por ser consequencia natural: a morte do motorista. Nesse exemplo, temos o dolo de primeiro grau em face da autoridade e o dolo de segundo grau em face do motorista.
Cautela na distinção do dolo eventual com o dolo de segundo grau:
Com essa diferença, observe a questão abaixo. A morte do motorista é certa (dolo de segundo grau), e as demais são um evento incerto (dolo eventual).
Ano: 2017
Banca: FAPEMS
Órgão: PC-MS
Prova: Delegado de Polícia
Analise o caso a seguir.
Com a desclassificação no torneio nacional, o presidente do clube AZ demite o jogador que perdeu o pênalti decisivo. Irresignado com a decisão, o futebolista decide matar o mandatário. Para tanto, aproveitando o dia da assinatura de sua rescisão, acopla bomba no carro do presidente que estava estacionado na sede social do clube. O jogador sabe que o motorista particular do dirigente será fatalmente atingido e tem a consciência que não pode evitar que torcedores ou funcionários da agremiação, próximos ao veículo, venham a falecer com a explosão. Como para ele nada mais importa, a bomba explode e, lamentavelmente, além das mortes dos dois ocupantes do veículo automotor, três torcedores e um funcionário morrem.
A partir da leitura desse caso, é correto afirmar que o indiciamento do jogador pelos crimes de homicídio sucederá

  1. a) por dolo direto de primeiro grau em relação ao presidente e ao motorista.
  2. b) por dolo eventual em relação ao motorista; aos torcedores e ao funcionário.
  3. c) por dolo direto de segundo grau em relação ao presidente e ao motorista.
  4. d) por dolo eventual apenas em relação aos torcedores.
  5. e) por dolo direto de segundo grau apenas em relação ao motorista.

 Opção correta:  Letra “E”.


Felipe Leal
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (2003), mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá (2012) e Doutorando em Ciências Jurídico-Criminais nas Universidades de Porto e de Coimbra, em Portugal (2017-2021). Ingressou na Polícia Federal em 2005, como Papiloscopista Policial Federal, adquirindo experiência na área pericial, e, desde 2006, é Delegado de Polícia Federal, tendo já chefiado Delegacias Especializadas na Repressão ao Tráfico de Drogas/PA (2006-2007), na Repressão aos Crimes Ambientais/AP (2008-2010) e na Repressão a Crimes Financeiros/PB (2011 -2012), bem como atuou como Chefe do Núcleo de Inteligência em Pernambuco (2013-2014). Após, foi designado como membro do Grupo de Inquéritos da Operação Lava Jato junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça (2015-2016), sendo convidado a assumir a Divisão de Contrainteligência da Polícia Federal em Brasília (2016-2017). Na docência, é um dos responsáveis pela formação profissional de novos policiais, com a elaboração de Caderno Didático para a Academia Nacional de Polícia (ANP). Já elaborou Manuais de Investigações para autoridades policiais. Tutor da Disciplina Criminologia em Cursos de Aperfeiçoamento Profissional da ANP. Professor em Faculdades de Direito e em curso de pós-graduação da ANP.


 O Gran Cursos Online, em parceria inédita com a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal e sua Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal (EADelta), elaborou e têm a grata satisfação em informar à comunidade jurídica adepta a concurso público, mormente para a carreira de Delegado de Polícia, que estão abertas as matrículas para os cursos preparatórios para Delegado de Policia Federal e Delegado de Policia Civil dos Estados e DF, com corpo docente formado em sua maioria por Delegados de Polícia Federal e Civil, mestres e doutores em Direito, com obras publicadas no meio editorial, além do material didático. Não perca a oportunidade de se preparar com quem mais aprova em cursos há 27 anos. Matricule-se agora mesmo!

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2 de Outubro de 2018