Metamorfoses são necessárias

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Em nossa casa, eu e minha esposa, Vivi, temos o privilégio de conviver com a natureza. Não raro, tomamos café da manhã na companhia de passarinhos e borboletas coloridas que voam aqui por perto. Essas últimas, em especial, costumam despertar em mim uma boa dose de reflexão, além de sentimentos como esperança, confiança, fé. Fico pensando que esses mesmos seres um dia foram lagartas, criaturinhas, convenhamos, no mínimo indesejadas. Ora, ninguém gosta de lagartas como gosta de borboletas, nem há, naquelas, um décimo da beleza que vemos nestas. Ou seja, no caso desses insetos, uma metamorfose muda tudo, e pra melhor!

Então me pergunto: por que não mudaria também para nós, seres humanos? Cada homem e cada mulher talvez devesse passar por alguma metamorfose de tempos em tempos… Talvez se, como as borboletas, aceitássemos melhor as mudanças necessárias em nossa vida, nossa constante busca por aperfeiçoamento se tornasse um pouco menos penosa, ou no mínimo mais previsível.

A vida da borboleta começa com um ovo posto numa folha de planta. Quando as condições climáticas são favoráveis, o ovo eclode e libera uma larva, que é a lagarta propriamente dita. A fase larval dura meses, até a lagarta se converter em pupa, que constrói para si, com fios de seda produzidos por ela mesma, um casulo. Ali, entra em repouso e, isolada do mundo, passa por uma transformação total, na escuridão absoluta. Quando está finalmente pronta, a borboleta rompe o casulo, abre as asas e voa para a liberdade. O que era lagarta, capaz de apenas rastejar e comer, agora paira sobre as matas, poliniza flores, espalha vida e encanta quem quer que a observe. Uma senhora mudança, não?

Um dado interessante: as borboletas parecem se lembrar do que aprenderam enquanto lagartas. Para comprovar essa hipótese, cientistas da Universidade de Georgetown realizaram um experimento em que os insetos foram treinados a evitar certos odores. Na fase larval, eles recebiam choques elétricos sempre que se aproximavam dos locais com os cheiros a serem evitados e, de fato, na fase adulta continuaram com o comportamento esquivo. Note como a natureza é perfeita. As experiências vividas por um simples inseto o marcam com cicatrizes, lembranças amargas que têm o potencial de moldar sua forma de agir para todo o sempre.

E o que isso tem a ver conosco? Ora, há, entre nós, seres racionais continuamente em busca de realização pessoal e profissional, quem se sinta como se estivesse estagnado na fase lagarta, na qual todos parecem nos olhar de maneira atravessada, sem admiração nenhuma e talvez até com certo desprezo. Há também quem se considere um pouco mais avançado no processo metamórfico, já na fase do casulo, o que pode ser um tanto angustiante e trazer sentimentos como solidão, além da sensação de abandono. E há quem gostaria de apenas pular etapas e chegar logo à fase borboleta. Para esses, todo cuidado é pouco! Metamorfoses são complicadas e exigem paciência. Do grego metamórphosis (prefixo meta, “mudar”, seguido do sufixo morfo, “forma”), metamorfose significa mudança no caráter, na estrutura, na forma ou aparência do corpo e até mesmo na forma de vida. Percebe? Não pode ser algo simples e rápido como muitos de nós gostaríamos.

Então, concurseiro amigo, você sabe que, para alcançar um grande feito como o de ser aprovado para uma vaga no serviço público, é preciso fazer algumas concessões, do mesmo modo que a larva sabe que, mais dia, menos dia, precisará se aprisionar em crisálida por algum tempo. Com o intuito de evitar distrações, em algum momento você terá de construir para si uma espécie de bunker ou quartel-general, um casulo do qual você só saia para o estritamente necessário, a depender de quais são seus planos. É esse espaço bem controlado que lhe propiciará o silêncio e a convivência consigo mesmo ou, no máximo, com os seus professores. Em outras palavras, enquanto durarem os estudos, você não terá muito tempo para a família, para os amigos, para viagens e passeios… Mas é tudo uma questão de tempo, só até você se transformar no feliz concursado pronto para alçar novos voos.

A fase do casulo pode ser entediante, excessivamente silenciosa, árdua, dolorosa. Pode ser o símbolo maior da renúncia a que você um dia venha a se submeter. É contudo, absolutamente indispensável. É nessa etapa que nos testamos contínua e diariamente, que descobrimos nosso verdadeiro potencial, que amadurecemos, que expandimos nosso conhecimento. Só enfrentando uma grande provação, como essa de total isolamento, podemos de fato ver até onde vai a nossa força, nossa resistência.

Trata-se de um aprendizado complexo porém libertador aceitar-se como sua principal ou única companhia dentro da crisálida. Pense, contudo, no seguinte: quem se mostra capaz de conviver tão bem consigo, e apenas consigo, por tanto tempo, ao retomar o convívio com os outros, certamente terá mais humildade e disposição para, por exemplo, no que interessa ao servidor público, atender bem o cidadão-cliente. Afinal, a faceta libertadora da solidão permite enxergar o mundo com outros olhos, mais bondosos, tolerantes e otimistas que os antigos.

E eis que sua hora de voar chega, e você logra aprovação no concurso dos seus sonhos. Torna-se, enfim, uma borboleta. Começa a atrair olhares de admiração, respeito, orgulho. Compreende, então, que as fases de lagarta e de pupa valeram cada segundo e agradece a bênção do esforço recompensado. Jamais se esquecerá, é claro, de tudo que enfrentou e sofreu, até porque essa lembrança o ajudará a seguir valorizando onde está e o que conquistou.

Hoje, lagarta; amanhã, borboleta. Viver, como vimos, envolve diferentes fases, cada qual valorosa ao seu tempo. A destinada a estudar e aprender, não há como negar, implica certo isolamento e algumas pausas. Os que aprendem a lidar bem com isso conquistam o que quiserem.

Então sigamos juntos, aceitando nossas pequenas e grandes metamorfoses, certos de que elas nos tornam seres melhores e nos aproximam do momento de voar mais alto.

“Afastar-se da cena que o mundo e cada um de nós demanda: eis a fórmula da boa, libertadora e criativa solidão-solitude.” – Leandro Karnal, filósofo, professor, escritor e palestrante

 

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