Foi a notícia da semana: ator famoso agride apresentador, igualmente famoso, em uma das maiores solenidades do planeta, porque o último fez uma piada de extremo mau gosto em relação à aparência da esposa do primeiro.
Não vamos, aqui, discutir quem estava certo e quem estava errado – ou mesmo em que medida os dois estavam errados. A pauta da nossa conversa será outra: os perigos de sentimentos como a raiva, irmã do medo. Proponho uma reflexão, a partir dos desdobramentos desse episódio, que foi transmitido ao vivo para milhões de telespectadores no mundo inteiro, sobre como a falta de controle em momentos de grande emoção pode, num instante, pôr a perder tudo que conquistamos arduamente.
Ao diminuir consideravelmente nossa capacidade de raciocinar, um sentimento forte como a ira tem tudo para induzir em nós comportamentos com enorme potencial sabotador. Uma pessoa cega pela raiva pode ter reações impensáveis como aquela a que assistimos, atônitos, na cerimônia do Oscar deste ano. Por isso é tão importante aprender a lidar com esse tipo de rompante, que provoca consequências infelizmente bem mais duradouras que os segundos ou minutos de descontrole. Em casos mais extremos, a raiva desmedida é capaz de condenar alguns dos nossos maiores sonhos. Veja o que aconteceu com Will Smith: até mesmo o brilho da premiação com que foi agraciado logo depois do fatídico episódio foi apagado pela confusão que já havia se instaurado. Não se falava em mais nada!
Ser livre não é nada fácil; controlar os sentimentos, menos ainda. São como tarefas que, para serem bem-feitas, requerem treino contínuo. Não se trata de dom, entende? Ao contrário, autocontrole exige muita determinação para seguir dia após dia desenvolvendo e aprimorando métodos para lidar com as próprias emoções. Mesmo a fúria que acompanha a ira pode ser administrada, desde que se esteja devidamente preparado para isso. Afinal, a impulsividade, entre nós, tende a falar mais alto que a sensatez, e, com os nervos à flor da pele, só os mais disciplinados conseguem manter o sangue frio.
Será que há, então, formas de evitar situações constrangedoras como a que o vencedor do Oscar 2022 de melhor ator está tendo de contornar? Sim, há. Cada um de nós pode descobrir as mais eficientes para si, mas sabe-se, por exemplo, que é nos primeiros segundos após o evento gatilho que geralmente perdemos a razão. Logo, em tese, suportar esse choque inicial favorece que voltemos a enxergar os acontecimentos pelo viés racional. Uma boa tática, portanto, é respirar fundo e contar até 15 (sim, até 15, porque dados mostram que grandes tragédias geralmente sucedem atos praticados em intervalos de 12 segundos). Há mais: os 15 segundos devem ser contados da seguinte forma: 101, 102, 103… 115. Percebe como a técnica envolve distrair a mente com sutileza?
O astro de Hollywood Will Smith foi completamente levado pela emoção e acabou perdendo a cabeça. Embora de modo geral seja considerado uma celebridade gentil com os fãs e com os colegas de profissão, naquela ocasião, em particular, não resistiu à raiva e agiu de forma impulsiva. Simplesmente não conseguiu se controlar.
Imagine se tudo tivesse sido diferente. Pense como teria sido se o companheiro zeloso da mulher desrespeitada houvesse aguardado o momento de subir ao palco para receber o prêmio de melhor ator e, então, ao se dirigir à Academia para agradecer, educadamente repreendesse o colega pela piada de mau gosto e chamasse a atenção para os cuidados que se precisa ter em relação a temas como a doença da esposa. Se essa tivesse sido a conduta do marido premiado, o recado certo teria sido dado, e provavelmente quem fez a piada infeliz, envergonhado, pediria sinceras desculpas. Além disso, o mundo inteiro ecoaria uma mensagem bacana sobre uma condição pouco conhecida como a alopecia. Era uma excelente forma de transformar uma situação desagradável em um caso de referência que poderia ser sempre evocado na conscientização das pessoas sobre o assunto. Sei que é fácil, para mim, falar, já que não fui eu quem passou pela situação, mas essa é minha opinião.
Sentimentos como ira são tão humanos que até mesmo alguém como Mahatma Gandhi, provavelmente o maior líder pacifista de que se tem notícia, sabia que estava sujeito a eles. Certa vez, aliás, causou espanto no neto Arun ao assumir que sentia raiva o tempo todo. “Aprendi a usar minha raiva para o bem”, explicou. “A raiva, para as pessoas, é como o combustível para o automóvel. Dá energia para seguirmos em frente e chegarmos a um lugar melhor. Sem ela, não teríamos motivação para enfrentar os desafios. A raiva é uma energia que nos impele a definir o que é justo e o que não é”, completou.
Note que sentir raiva é natural; o que faz a diferença é canalizá-la com sabedoria. Em poucas palavras, a ira pode – e deve – ser empregada para perseguir metas, fazer o bem, realizar sonhos; jamais para agredir pessoas.
Em Efésios 4:26 se lê: “não se ponha o sol sobre a vossa ira”. Como você, meu amigo leitor, bem sabe, Vivi e eu seguimos os preceitos da Bíblia, por isso temos um combinado que observamos à risca: nunca vamos dormir sem, antes, pedir perdão por eventuais demonstrações de ira e raiva de um contra o outro durante o dia. Procuramos, com isso, acalmar o espírito antes mesmo de o sol se pôr. Essa é uma filosofia de vida que nós seguimos e recomendamos, especialmente para recém-casados e jovens prestes a se casar, o que não impede, é claro, que pessoas em outras fases da vida também a tomem como diretriz. Ou seja, nada de se deitar com a raiva correndo nas veias e envenenando o coração.
De qualquer forma, mesmo tentando muito não cometer o pecado capital da ira, talvez um dia você falhe. Quando isso acontecer, aprenda a se perdoar e a pedir perdão, tal como fez Will Smith nas redes sociais logo no dia seguinte ao ocorrido. No fim da mensagem, de tom bastante sincero, ele resumiu muito bem: “Eu sou um trabalho em andamento”.
Todos nós somos, amigo leitor, querida leitora. VIVER é um trabalho em andamento.
“Uma ira desmedida acaba em loucura; por isso, evita a ira, para conservares não apenas o domínio de ti mesmo, mas também a tua própria saúde.” Sêneca (4 a.C.-65), filósofo romano
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