Procedimento ordinário e o ônus de comprovação do convite às testemunhas faltosas

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10 de Março de 2020

Um dos temas enfrentados pelo TST diz respeito à comprovação do convite às testemunhas faltosas no procedimento ordinário. A controvérsia que gira em torno, especificamente, do ônus que as partes têm em comprovar que efetivamente convidaram suas testemunhas para comparecerem na audiência de instrução.

O caso enfrentado consistiu em uma reclamação trabalhista cuja controvérsia centrava-se no reconhecimento de vínculo empregatício. Consta que a Reclamada, a despeito de comparecer à audiência inaugural, não se fez acompanhar de testemunhas. Na oportunidade, pretendeu apresentar relação nominal de testemunhas para futura inquirição. O Juiz de primeiro grau indeferiu o requerimento, sob protestos da Reclamada.

Assim, na espécie, discutiu-se, à luz da CLT, se acarreta cerceamento do direito de defesa o indeferimento pelo Juiz de primeiro grau, na audiência inaugural, do requerimento formulado pela Reclamada de apresentação de rol de testemunhas para posterior inquirição, mediante prévia intimação.

Sobre a comprovação de convite da testemunha faltosa, a CLT estabelece que as testemunhas comparecerão à audiência independentemente de notificação ou intimação. As que não comparecerem serão intimadas, ex officio ou a requerimento da parte, ficando sujeitas à condução coercitiva, além das penalidades do art. 730, caso, sem motivo justificado, não atendam à intimação (art. 825, caput e seu parágrafo único).

Interpretando o citado dispositivo, significativa parcela da doutrina trabalhista entende que no procedimento ordinário não é necessário que a parte comprove o convite da testemunha, bastando a mera alegação de que foi feito o chamado, caso em que a audiência será suspensa para prosseguimento posterior, com a devida intimação das testemunhas faltosas.

Sobre o tema, Marcelo Moura (2015, p. 1.023) expõe que “no sumaríssimo se exige a prova de que a testemunha foi convidada, e no ordinário basta a alegação do convite” (gn). Por sua vez, Mauro Schiavi (2014, p. 724) afirma que não há necessidade de a parte comprovar o convite da testemunha para que possa requerer o adiamento da audiência e a consequente intimação da testemunha ausente, pois o referido art. 825 da CLT não o exige, exceto no rito sumaríssimo em que o § 3º do art. 852-H da CLT exige que a parte comprove o convite da testemunha que não compareceu.

Ainda sobre o tema, vale a leitura da doutrina do Professor Homero Batista (2015, p. 257), para quem “a interpretação mais aceita do art. 825 converge a favor do convite verbal, desprovido de comprovação, devido ao fato de o caput mencionar comparecimento ‘independente de notificação’. Cada um leva quem quiser e quem puder. Ao que não comparecer será direcionada uma intimação – mas somente depois de constatada sua ausência, o que, em outras palavras, significa que a audiência já terá sido adiada […]

Também nessa linha de pensamento, Carlos Henrique Bezerra Leite (2015, p. 742) lembra que alguns magistrados, às vezes, preocupados com a celeridade processual, vêm determinando, sob pena de preclusão da produção da prova, que a parte prove o “convite” feito à testemunha antes de determinar a sua intimação. Todavia, lembra o autor que, em se tratando de procedimento ordinário, a lei não exige tal prova, bastando a simples afirmação em juízo.

Já na jurisprudência, o entendimento não é pacífico. Despontam duas grandes correntes pretorianas sobre o tema. Para uma primeira linha de entendimento, na esteira do art. 825, caput e parágrafo único, da CLT, para que haja a intimação de ofício ou a requerimento da parte, esta deve comprovar que efetivamente convidou suas testemunhas a comparecerem na audiência de instrução. Para essa corrente, não se configura cerceamento de defesa se não há registro da premissa fática de que a parte efetivamente convidou suas testemunhas a comparecerem na audiência. Este foi o entendimento acolhido pela SDI-1 do TST:

NULIDADE. SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUDIÊNCIA INAUGURAL. ROL DE TESTEMUNHAS. INDEFERIMENTO. ART. 825 E PARÁGRAFO ÚNICO DA CLT. A CLT (art. 825 e § – sic – único) é explícita ao dispor que as partes comparecerão à audiência acompanhadas de suas respectivas testemunhas. Somente se comprovado que, convidadas, não compareceram cabe ao Juiz determinar a intimação das testemunhas e, em caso extremo, a condução coercitiva. No processo do trabalho, assim, não há lugar para o rol prévio de testemunhas e tampouco para intimação de testemunhas previamente arroladas, salvo o caso de comprovada recusa de atendimento ao convite da própria parte. Não acarreta cerceamento do direito de defesa o indeferimento, pelo Juiz, na audiência inaugural, de requerimento de apresentação de rol de testemunhas para ulterior intimação. Cerceamento somente haveria se houvesse indeferimento da intimação das testemunhas que, convidadas, comprovadamente deixaram de comparecer para depor. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento. (TST – Embargos em EDcl em Agravo em RR 346-42.2012.5.08.0014 – Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – j. 08.05.2015 – rel. Min. Caputo Bastos, redator João Oreste Dalazen – Área do Direito: Trabalho; Processual).

De outro lado, para a segunda corrente de pensamento, a parte tem o dever de convidar sua testemunha e alegar em audiência que assim o fez, porém, não tem o dever de comprovar o convite, pois o art. 825 da CLT não exige tal providência. De acordo com o citado dispositivo, para que haja a intimação de ofício ou a requerimento da parte, a testemunha deve ter sido convidada pela parte a depor e ter se recusado a comparecer à audiência. Em momento algum, a CLT impõe à parte o ônus de comprovar o efetivo convite. É certo que a parte tem o dever de convidar, mas não de provar tal fato em juízo, bastando a mera alegação. Caso se constate, posteriormente, que a parte mentiu a respeito do convite, deverá arcar com as penalidades daí advindas. Essa foi a posição adotada pela 8ª Turma do TST no presente feito.

Vale observar que tanto para a primeira corrente, como para a segunda, a parte deve realizar o convite. A diferença reside no fato de que, para a segunda corrente, basta a mera alegação pela parte de que fez o convite. Já pela primeira, é necessário que a parte comprove o convite – ainda que se trate de procedimento ordinário.

Em sede de embargos de divergência, a SDI-1 do TST acolheu a primeira linha acima citada para, reformando a decisão da 8ª Turma, entender que é dever da parte comprovar que realizou o convite às testemunhas, bem como comprovar a recusa de atendimento ao convite para depor, ainda que se trate de procedimento ordinário.

Como visto, o entendimento adotado pelo TST nessa decisão não se alinha ao entendimento doutrinário dominante. Portanto, de acordo com a atual posição da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho a parte deve provar que convidou a testemunha ausente, ainda que tal dever não esteja expresso no art. 825, razão pela qual se recomenda que as partes levem telegrama, carta com registro postal ou convite simples, com assinatura da testemunha, para referendar seu requerimento. 

Referências

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MOURA, Marcelo. Consolidação das leis do trabalho. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2014.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: processo do trabalho. Volume 9. 2. ed. São Paulo: RT, 2015.

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10 de Março de 2020