Requisitos para o Brasil participar de eventual guerra

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14 de Janeiro de 2020

Infelizmente, nos últimos dias, o ressurgimento do risco de eclodir uma grande guerra entre Nações tem sido o assunto mais comentado em todo o mundo.

E, imediatamente, dentro do jogo de especulações, não tardou para surgirem questionamentos acerca de qual seria a eventual postura oficial do nosso País, caso fracassem as vias diplomáticas e o clima beligerante atinja mesmo contornos multilaterais.

O que trouxe, para o centro do debate acadêmico, a necessidade de se relembrar quais seriam os requisitos constitucionais para que o Brasil pudesse participar de uma (indesejada) campanha bélica?

Afinal, inobstante nossa torcida contra, não podemos ignorar que, justamente por ter ganhado os holofotes da mídia e das redes sociais, esse tema acabou subindo para o topo do rol de potenciais questionamentos nas futuras provas de Direito Constitucional e/ou de Direito Internacional.

Desta forma, não é exagero relembrarmos as principais regras legais que precisam ser, fielmente, observadas, caso um dia nosso País deseje se aventurar em qualquer campanha bélica.

E o ponto de partida deve ser a lembrança de que a ordem constitucional vigente (art. 4º) estabelece que, nas suas relações internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros, pelos princípios da independência nacional, da prevalência dos direitos humanos, do respeito à autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da igualdade entre os Estados, da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos.

Logo, ao mesmo tempo em que ela (a Lei Fundamental) impõe, aos nossos governantes, o dever de defender os interesses da Pátria, ela também impõe que, dentro da medida do possível, tal defesa seja feita sempre primando pela busca da paz e pela solução pacífica dos conflitos.

Em outras palavras, há comando claro indicando que, no Brasil, apenas excepcionalmente, e em casos teratológicos, será admitida a medida extrema aqui em exame.

Aliás, esse caráter de absoluta exceção da solução litigiosa vem reforçado até mesmo no inciso XLVII do art. 5º da Carta Política, que aborda a excepcional possibilidade de aplicação da pena capital apenas “em caso de guerra declarada”.

Inclusive, merece registro que ignorar essa lógica que prima pela solução pacífica dos conflitos poderia ser enquadrada como crime de responsabilidade contra a existência da União (art. 4, I, c/c art. 5, itens 1, 2, 3, 5, 8 e 11 da Lei 1079/50), deixando o responsável ao alcance do processo de impeachment (arts. 85, inciso I, e 86 da Constituição Federal).

Dada à relevância, não é demais deixar consignado parcialmente o inteiro teor do art. 5º da Lei dos Crimes de Responsabilidade acima referido:

Art. 5º São crimes de responsabilidade contra a existência política da União:

1 – entreter, direta ou indiretamente, inteligência com governo estrangeiro, provocando-o a fazer guerra ou cometer hostilidade contra a República, prometer-lhe assistência ou favor, ou dar-lhe qualquer auxílio nos preparativos ou planos de guerra contra a República;

2 – tentar, diretamente e por fatos, submeter a União ou algum dos Estados ou Territórios a domínio estrangeiro, ou dela separar qualquer Estado ou porção do território nacional;

3 – cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade;

(…);

5 – auxiliar, por qualquer modo, nação inimiga a fazer a guerra ou a cometer hostilidade contra a República;

(…);

8 – declarar a guerra, salvo os casos de invasão ou agressão estrangeira, ou fazer a paz, sem autorização do Congresso Nacional.

(…);

10 – permitir o Presidente da República, durante as sessões legislativas e sem autorização do Congresso Nacional, que forças estrangeiras transitem pelo território do país, ou, por motivo de guerra, nele permaneçam temporariamente;

11 – violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras.

 

Contudo, embora indesejada, não se pode desconsiderar totalmente a possibilidade de o Brasil sentir, um dia, a necessidade de deflagrar ou participar de hostil campanha bélica.

Nessa hipótese, dentro das bases do sistema federativo que adotamos, impera a regra de que compete exclusivamente à União “declarar a guerra e celebrar a paz”, consoante define o art. 21, inciso II, da Carta Política.

Porém, a existência dessa previsão, no texto constitucional, não significa, por exemplo, que a União poderia livremente decidir pela participação ou não de movimento bélico, muito menos que ele outorga a uma única autoridade federal o poder supremo de escolher qual lado o Brasil deveria defender em eventual litígio.

Por razões óbvias, diante dos nefastos e conhecidos efeitos negativos que uma guerra traz, a nossa ordem constitucional exige que a declaração de guerra seja precedida de prévia e ampla decisão coletiva, a ser tomada pelas autoridades que integram os dois Poderes que detêm a competência para fazer as escolhas políticas em nome do povo brasileiro, isto é, o Congresso Nacional e, depois, pelo Presidente da República.

É o que se extrai (inclusive quanto à ordem cronológica dos atos administrativos) a partir da leitura conjunta dos arts. 49 e 84 da Lei das Leis, os quais, naquilo que interessa, ficaram assim redigidos:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

(…);

IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;

(…).

 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…)

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;

(…).

XIII – exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;

(…).

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;

XX – celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;

(…).

 

Em outras palavras, o fato de o Presidente da República exercer o comando supremo das Forças Armadas não lhe outorga o poder soberano de, isoladamente, declarar guerra do Brasil contra outra(s) nação(ões).

Porém, em contrapartida, o fato de o Congresso formalizar tal autorização não vincula o Chefe do Pode Executivo, que, seguindo o mesmo raciocínio aplicado pelo Supremo Tribunal Federal nos casos das extradições (STF, Ext. 1085, j. 18/11/2009, caso Cesare Battisti), mantém o juízo de oportunidade e conveniência (poder discricionário) de exercer ou não a autorização que lhe fora concedida pelo Congresso.

Autorização, aliás, que será instrumentalizada por meio de decreto legislativo, promulgado pelo Presidente do Senado Federal, após aprovação da maioria simples de ambas as Casas, em votação realizada por meio de sessão conjunta, nos termos do art. 47 da Constituição Federal e demais dispositivos previstos nos Regimentos Internos do Congresso, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, conforme previsto no art. 151 da Resolução do Congresso Nacional nº 1, de 1970.

Portanto, em termos práticos, existem mecanismos constitucionais e infraconstitucionais que, se não impedem, ao menos restringem significativamente a margem de risco de o Brasil ser tragado, impensadamente, para um combate bélico em virtude apenas de decisões isoladas e de viés personalíssimo de um único Poder ou de uma única autoridade federal.

Ou seja, nessa delicada seara impera fortemente a lógica do Sistema de Freios e Contrapesos para proteger aqueles que são os maiores interessados na não deflagração de uma guerra: os brasileiros.

Mais um “TEMA DA HORA”, que vale a pena vocês “FICAREM DE OLHO”!!!

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14 de Janeiro de 2020