A participação de adolescente pode ser considerada para tipificação do crime de Associação para o Tráfico e para agravar a pena como causa de aumento? Ou isso é considerado bis in idem?

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4 de Outubro de 2021

Olá pessoal, tudo certo?

Quem me acompanha sabe que eu afirmo com convicção – e pautado em estatísticas – que a Lei de Drogas é uma das três leis penais especiais mais cobradas em concursos públicos de carreira jurídica. E sua exigência se dá em todas as fases dos certames.

Afirmo – novamente – isso para que sirva de alerta aos leitores acerca da importância a ser dada às observações e entendimentos sobre os institutos e a aplicação prática dos crime delineados na Lei 11.343/2006.

Apesar de a importância – e mais frequência – a ser dada ao crime de tráfico de drogas, não se pode negligenciar aspectos atinentes a outro delito dessa lei. Refiro-me ao tipo penal do art. 35, Associação para o Tráfico:

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Diante da relevância, antes de aprofundarmos sobre o ponto específico e objeto do presente texto, impera-se rememorar aspectos cruciais dessa conduta delitiva, esquematicamente:

 

Como se percebe, para a configuração desse crime (DELITO AUTÔNOMO), é necessário que haja a (i) associação de duas ou mais pessoas (NÃO VÁ CONFUNDIR, AQUI O MÍNIMO É DE DUAS PESSOAS – crime de concurso necessário) e que haja (ii) reunião estável e permanente (ou seja, que não se caracterize como um agrupamento eventual, pontual). Para concursos, é importante que vocês saibam que essa estabilidade e permanência é chamada de “societas sceleris”.

Feitos esses registros, concentremo-nos no aspecto “quantitativo” dos agentes exigidos pela lei para a formação dessa associação para o tráfico do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Afinal, os inimputáveis são ou não considerados para esse cômputo?

Da mesma forma que os crimes de Associação Criminosa e Organização Criminosa, pode registrar sem medo de ser feliz que os inimputáveis são considerados para fins de composição da Associação para o Tráfico, ainda que não respondam criminalmente pelo delito (já que carecem de culpabilidade). Portanto, se estivermos diante de um agrupamento estável e permanente composto por João, André e Maria, ainda que André e Maria sejam menores de 18 anos, se preenchidos os demais requisitos do artigo 35, teremos um crime de associação para o tráfico cometido por João (único maior de 18 anos no exemplo)!

Bacana, Pedro! Porém a pergunta difícil e que vai cair na sua prova é se, além do artigo 35, João poderá ser condenado e constar na sua pena a causa de aumento do artigo 40, VI da mesma legislação de drogas? Ou isso configura bis in idem?

Art. 40.VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.

Apesar de, particularmente, eu não concordar com a “dupla” consideração em malefício do acusado, o fato é que o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser possível incidir a causa de aumento, não havendo que se falar em bis in idem. De acordo com o colegiado se, podendo escolher em formar a associação para o tráfico com imputáveis, houve a opção de se relacionar com inimputáveis, razão pela qual seria correta a maior reprovabilidade verificada na incidência da causa de aumento[1].

Em mesmo sentido, a 5ª Turma da Corte anotou que por se tratar de condutas autônomas e tipos penais distintos, não há bis in idem na aplicação da causa de aumento da pena do
art. 40, inciso VI, da Lei n.º 11.343/06, concomitantemente aos crimes de tráfico e de associação para o tráfico de drogas. Do mesmo modo, é cabível a aplicação da majorante de o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para o tráfico de drogas com menor de idade[2].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

[1] PROCESSUAL PENAL E PENAL. (…). POSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. (…).RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA.1. (…).4. É cabível a aplicação da majorante de o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente (art. 40, VI, da Lei 11.343/2006) em delito de associação para o tráfico de drogas com menor de idade.5(…).6. Habeas corpus não conhecido, todavia, concedo a ordem, de ofício, para restabelecer a pena fixada na sentença condenatória quanto ao ora paciente, tendo em vista que a correção do erro material, da forma como operada pelo Tribunal estadual, configurou reformatio in pejus.(HC 250.455/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 05/02/2016).

 

[2] HC 237.782/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 21/08/2014.

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4 de Outubro de 2021