Exceção de romeu e julieta no Direito Penal brasileiro

- Nomenclatura inusitada, divergência doutrinária e entendimento sumulado em um só assunto!

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25 de Setembro de 2020

Olá pessoal, tudo bem?

Hoje vamos falar sobre um tema extremamente interessante e que envolve aspectos doutrinários, nomenclatura, jurisprudência e, claro, polêmica.

Com a finalidade de contextualizá-los, é imprescindível rememorar que a Lei nº 12.015/09 fez inserir do Código Penal Brasileiro o chamado “Estupro de Vulnerável”. De acordo com esse tipo penal, plasmado no artigo 217-A, é crime a conduta de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

A partir da dicção do mencionado dispositivo, percebe-se que não haveria margem de flexibilização para admitir a relação sexual com menor de 14 anos, ao menos a partir de uma interpretação literal. Não obstante, há doutrinadores contrários ao tratamento rígido, razão pela qual se utilizam do raciocínio da “Exceção de Romeu e Julieta”.

Calma. Irei explicar.

Na clássica obra do inglês Shakespeare, Julieta tinha apenas 13 anos quando manteve relação amorosa com Romeu, fato esse que a enquadraria – na legislação ora vigente no Brasil – no conceito de vulnerável. A ideia da teoria sustentada por parcela da doutrina é de que havendo consentimento e uma diferença pequena da idade entre os parceiros (há quem indique margem de até 5 anos), não seria razoável considerar o ato sexual como um estupro (imaginemos um caso de namorados de 13 e 18 anos).

ATENÇÃO! Essa compreensão não é majoritária, seja na doutrina ou na jurisprudência pátria. Aliás, apesar de julgados isolados, antigos e pontuais apontando o caráter relativo da presunção de violência antes da reforma de 2009 nos crimes contra a dignidade sexual, é fato que o STJ e o STF solidificaram sua jurisprudência em sentido oposto, mesmo antes da novidade legislativa.

 

Vale destacar o precedente em que a 3ª SEÇÃO DO STJ assinalou que “a presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, PREVISTA NA ANTIGA REDAÇÃO DO ART. 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL, POSSUI CARÁTER ABSOLUTO, POIS CONSTITUI CRITÉRIO OBJETIVO PARA SE VERIFICAR A AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DE ANUIR COM O ATO SEXUAL. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento “quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida”[1].

Como visto, a opção do legislador se aproximou dessa compreensão de vedação absoluta, já que o tipo penal do art. 217-A do CPB aponta ser crime a conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Ou seja, apesar de eventuais críticas doutrinárias à opção do legislador, prevaleceu a compreensão de que deve ser afastada qualquer margem de possibilidade de flexibilização quanto à licitude de relações sexuais com menores de 14 anos!

Ainda assim, é oportuno registrar que em outubro de 2017, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou o enunciado de Súmula 593, no sentido de que “o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”, confirmando a tendência acima indicada.

Para a Corte, “de um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da   dignidade   sexual   de  crianças  e  adolescentes,  evoluímos, paulatinamente,  para  uma  Política  Social e Criminal de redobrada preocupação  com  o saudável crescimento, físico, mental e emocional do  componente  infanto-juvenil  de nossa população, preocupação que passou  a  ser,  por  comando  do  constituinte  (art. 226 da C.R.), compartilhada  entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal. (…) No  caso  de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, o reconhecimento de que são pessoas ainda imaturas – em menor ou maior grau  –  legitima  a  proteção  penal contra todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados os  riscos  imprevisíveis  sobre  o  desenvolvimento  futuro  de sua personalidade  e  a  impossibilidade  de  dimensionar  as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar”[2].

 

CONCLUSÃO! Com a Súmula 593, o STJ não apenas afastou a possibilidade de flexibilização a partir do eventual consentimento da vítima, como também desqualificou para fins de consumação do delito a experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso! Não há, pois, que falar na “Exceção de Romeu e Julieta”!

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

 

Vamos em frente.

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

[1] EREsp 1152864/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014

[2] REsp 1480881/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015.

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25 de Setembro de 2020