Hoje vamos tratar de um tema extremamente relevante da parte geral do direito penal e que despenca (de múltiplas formas) em prova de concurso público.
Vários institutos jurídicos foram inseridos – historicamente – no direito penal a partir de uma lógica pautada em política criminal, com o intento de reduzir ou mesmo evitar a punição do agente, desde que preenchidos determinados requisitos. É, justamente, o que ocorre com as chamadas pontes de ouro do direito penal.
As pontes de ouro seriam o caminho possível de ser percorrido pelo agente que iniciou a prática de um ilícito penal voltando a corrigir o seu percurso, retornando à seara da licitude. A ponte de ouro está presente, entre nós, no art. 15 do CPB, nos institutos do arrependimento eficaz e desistência voluntária. Segundo ele, o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA) ou impede que o resultado se produza (ARREPENDIMENTO EFICAZ), só responde pelos atos já praticados.
De acordo com os ensinamentos de Von Liszt, no momento em que o agente transpõe a linha divisória entre os atos preparatórios impunes e o começo da execução punível, incorre na pena cominada contra a tentativa. Semelhante fato não pode mais ser alterado, suprimido ou anulado retroativamente. Pode, porém, a lei, por considerações de política criminal, construir uma ponte de ouro para a retirada do agente que já se tornara passível de pena.
A natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz é polêmica, havendo defensores da classificação como (i) causa pessoal de extinção da punibilidade (ex: Zaffaroni), (ii) causa de exclusão da culpabilidade (ex: Claus Roxin), prevalecendo, porém, na doutrina e jurisprudência pátria a concepção de que são verdadeiras (iii) causas de exclusão da tipicidade.
É possível concluir, especialmente da dicção extraída do art. 15 do Código Penal Brasileiro, que um dos pressupostos básicos para a incidência da ponte de ouro é o agente ter iniciado a fase da execução do delito dentro do “caminho do crime” (iter criminis). Essa é a regra.
No entanto, eu preciso que você redobre os cuidados aqui! É que o seu examinador pode exigir de você o conhecimento acerca da ponte de ouro ANTECIPADA! Aliás, isso foi objeto de pergunta da última prova oral do MP/MG, realizada em 2020.
Essa ponte de ouro antecipada é uma inovação trazida pela Lei Antiterrorismo. Segundo o art. 10 da Lei 13.260/2016, há a previsão de que “mesmo ANTES DE INICIADA A EXECUÇÃO do crime de terrorismo, na hipótese do art. 5º desta Lei, aplicam-se as disposições do art. 15 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”.
ATENÇÃO: A regra é que para haver desistência voluntária ou arrependimento eficaz, imprescindível se revela o início da execução do crime. No entanto, excepcionalmente, no crime de terrorismo, se o agente PREPARA (atos preparatórios) atos de terrorismo, mas desiste de iniciar a execução do crime de terrorismo, haverá a incidência ANTECIPADA do art. 15 do CPB, da “ponte de ouro”.
Antes de concluirmos, preciso que você redobre a atenção a um detalhe que pode ser decisivo. A ponte de ouro, como visto, é associada aos institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz (art. 15 do CPB), mas não em relação ao arrependimento posterior (art. 16 do CPB[1]). Em relação a esse último, temos a chamada ponte de prata. Trata-se de um caminho a ser adotado pelo agente criminoso, ofertado pela legislação visando também à redução de danos da conduta delituosa que, não obstante não evitar que o réu responda pelo crime perpetrado, autoriza uma minoração das circunstâncias, viabilizando que o processamento se dê como se tentativa fosse. Ele não será beneficiado com a exclusão da tipicidade (ponte de ouro), mas o será com a (causa de) redução da pena!
Existe ainda outras pontes no direito penal, como as de bronze e diamante, menos frequentes (porém não menos importantes) do que as de ouro e prata. No entanto, elas serão objeto de outra postagem!
Espero que tenha entendido e gostado. Vamos em frente.
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Leis Penais Especiais.
[1] Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Excelente o artigo. Muito esclarecedor.
Professor, boa tarde;
Essa mesma questão que debate sobre tentativa e arrependimento eficaz caiu na prova da PCERJ, como todos sabemos como uma grande repercussão. Estou preparando minha inicial para buscar judicialmente que essa questão seja anulada.
Pergunta, com toda sua experiência, conhecimento e principalmente cargo que ocupa. O senhor acredita ser plausivel que essa questão seja derruba judicialmente, mesmo tendo a banca FGV buscado explicações em um doutrina, sabidamente, minoritária, que contraria todo o ordenamento jurídico?