Vantagem coletiva não pode ser deferida de ofício na homologação judicial de negociação coletiva

O deferimento de vantagem não negociada viola a autonomia privada coletiva

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18 de Janeiro de 2020

        No dissídio coletivo de trabalho, é possível que as partes (suscitante e suscitado) atinjam um consenso sobre as normas que regerão as relações entre trabalhadores e empregadores/empregador.

        A conciliação deve ser incentivada, conforme se infere do art. 764, caput e § 1º, da CLT:

“Art. 764 – Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

§ 1º – Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.”

       Aliás, no procedimento do dissídio coletivo, a CLT prevê uma audiência para tentativa de conciliação nos arts. 860, caput, e 862:

“Art. 860 – Recebida e protocolada a representação, e estando na devida forma, o Presidente do Tribunal designará a audiência de conciliação, dentro do prazo de 10 (dez) dias, determinando a notificação dos dissidentes, com observância do disposto no art. 841.”

“Art. 862 – Na audiência designada, comparecendo ambas as partes ou seus representantes, o Presidente do Tribunal as convidará para se pronunciarem sobre as bases da conciliação. Caso não sejam aceitas as bases propostas, o Presidente submeterá aos interessados a solução que lhe pareça capaz de resolver o dissídio.”

      Realizada a conciliação e não havendo, por evidente, qualquer nulidade, o Tribunal do Trabalho promove a homologação:

“Art. 863 – Havendo acordo, o Presidente o submeterá à homologação do Tribunal na primeira sessão.”

          Ocorre que, algumas vezes, os Tribunais Regionais deferem, de ofício, benefícios a uma categoria em virtude de particularidades do conflito coletivo, mesmo já existindo solução negociada. Todavia, o Tribunal Superior do Trabalho não admite essa prática, entendendo que há uma violação da autonomia privada coletiva.

       Quando os seres coletivos entabulam uma conciliação, esperam eles que as regras que regerão as relações laborais sejam exatamente aquelas negociadas, sem qualquer acréscimo ou inovação.

     Dessa forma, a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho não admite o deferimento, de ofício, de cláusula em negociação coletiva firmada no bojo dissídio coletivo, conforme sintetiza a ementa:

“RECURSO ORDINÁRIO – DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA – ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO – ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO PELO TRT DA 2ª REGIÃO COM BASE NO PRECEDENTE NORMATIVO 36 DAQUELA CORTE, QUE NÃO FOI DISCUTIDO E ACORDADO PELOS SINDICATOS CONVENENTES – ESTABILIDADE PROVISÓRIA DE 30 (TRINTA) DIAS AOS INTEGRANTES DA CATEGORIA PROFISSIONAL – IMPOSSIBILIDADE – TEORIA DO CONGLOBAMENTO – OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 863 DA CLT E 7º, XXVI, DA CF – PROVIMENTO DO APELO. 1. O art. 7º, XXVI, da CF, que prestigia a autonomia coletiva negocial coletiva, vale dizer, que reconhece a prevalência do negociado sobre o legislado, visa resguardar o ajuste formalizado pelas Partes convenentes em respeito à livre manifestação coletiva da vontade da categoria e, no caso, ao conjunto das cláusulas avençadas em relação à Convenção Coletiva de Trabalho em apreço, considerados os princípios da proteção e da irrenunciabilidade dos direitos 2. Já o art. 863 da CLT preceitua que ” havendo acordo, o presidente o submeterá à homologação do tribunal na primeira sessão “. 3. In casu, o TRT da 2ª Região, ao homologar a avença celebrada pelos Sindicatos convenentes (CLT, art. 863), acresceu o benefício alusivo à estabilidade provisória de 30 (trinta) dias aos integrantes da categoria profissional, com base no Precedente Normativo 36 daquela Corte . 4. Quanto ao mérito, assiste razão ao Recorrente (Sindicato patronal), pois, afora a necessidade de observância ao disposto nos arts. 863 da CLT e 7º, XXVI, da CF, verifica-se que: a) no plano internacional, direciona-se o olhar à OIT, que possui duas convenções que apontam para a necessidade de que os países membros prestigiem a negociação coletiva como via mais eficaz de composição de conflitos coletivos de trabalho e fixação das condições de trabalho de cada setor produtivo, quais sejam, as Convenções 98 de 1949, sobre a aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, e 154 de 1981, sobre a negociação coletiva; b) note-se especialmente o comando da alínea “e” do § 2º do art. 5º da referida Convenção 154/81, que aponta para a necessidade de que os órgãos de resolução dos conflitos trabalhistas possam contribuir para o estímulo à negociação coletiva; c) a Constituição Federal de 1988, conjugando tais disposições internacionais sobre o instituto da negociação coletiva com os princípios fundamentais do valor social do trabalho e da livre iniciativa, ratificados pelo art. 1º, IV, deu sinalização clara de prestígio à negociação coletiva, ao elencar entre os direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores brasileiros, por 4 vezes, o recurso à negociação coletiva, que estão previstos no art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, da CF; d) pela teoria do conglobamento o acordo e convenção coletivas, além da avença celebrada entre as Partes, são fruto de concessões mútuas, que não podem ser alteradas para mais ou para menos, in casu , ao livre arbítrio do 2º Regional, ainda que calcado no Precedente Normativo 36 daquela Corte (” os empregados terão estabilidade provisória na pendência da Negociação Coletiva da data-base, até 30 (trinta) dias após a sua concretização, ou, inexistindo acordo, até 90 (noventa) dias após o julgamento do dissídio coletivo “), sob pena de perpetrar ofensa aos princípios da proteção e da irrenunciabilidade de direitos; e) considerados os fundamentos supracitados, a estabilidade provisória de 30 (trinta) dias conferida aos integrantes da categoria profissional foi acrescida pelo TRT da 2ª Região, ao homologar a avença (CLT, art. 863), em total dissonância com os termos ajustados pelos Sindicatos convenentes, porquanto efetivamente não foi discutida e acordada, a tempo e modo, pelas Partes. E, provavelmente, o acordo não teria sido firmado ou nos termos em que o foi, se a estabilidade provisória dele tivesse de constar. 5. Assim, merece ser provido o recurso ordinário para excluir do acórdão recorrido a concessão de estabilidade de 30 (trinta) dias aos integrantes da categoria profissional . Recurso ordinário provido” (RO-1000674-52.2018.5.02.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Redator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 22/11/2019).

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18 de Janeiro de 2020