Advogado: contratação – serviços técnicos especializados – inexigibilidade de licitação

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25 de agosto7 min. de leitura

advogado-gravata_quadPor Carlos Mário da Silva Velloso

SUMÁRIO: I. Introdução. II. A competência legislativa da União sobre normas gerais de licitação e a licitação como requisito para a contratação com o poder público. III. Hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação. IV. Singularidade dos serviços técnico-profissionais. V. Notória especialização. VI. O entendimento jurisprudencial. VII. A licitação no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica. VIII. Conclusão.

  1. Introdução: a questão a ser perquirida

I.1. A questão a perquirir é se a licitação seria indispensável para a contratação, pelo poder público, por suas administrações diretas e indiretas, de serviços técnicos de advogado, ou se seria possível essa contratação sem o procedimento da licitação e, se possível, quais as condições ou pressupostos para a sua realização.

I.2. A matéria tem sido objeto de debate e o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu, em caráter definitivo, a questão. Vamos examiná-la nos seus aspectos pertinentes.

  1. A competência legislativa da União sobre normas gerais de licitação e a licitação como requisito para a contratação com o poder público.

II.1. O procedimento licitatório, como requisito para as contratações pelo e com o Poder Público tem matriz constitucional e representa, na verdade, decorrência natural do princípio da impessoalidade que se requer inerente à atividade administrativa. Daí dispor o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal:

“Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

II.2. A obrigatoriedade de prévio processo seletivo para as contratações, como se extrai do dispositivo constitucional, aplica-se à administração direta, indireta e fundacional dos três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e se fará na forma da lei, que também especificará os casos em que é inexigível a licitação e aqueles em que ela poderá ser dispensada.

II.3. Segundo Justen Filho, a licitação é “um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de seleção da proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica“.1

II.4. Para Hely Lopes Meirelles, a dupla finalidade da licitação – obtenção de contrato mais vantajoso e resguardo dos direitos de possíveis contratantes, vale dizer, observância do princípio da isonomia – “é preocupação que vem desde a Idade Média e leva os Estados Modernos a aprimorarem cada vez mais os procedimentos licitatórios, hoje sujeitos a determinados princípios, cujo descumprimento descaracteriza o instituto e invalida o seu resultado seletivo“.2

II.5. Partindo do conceito de José Roberto Dromi, Maria Sylvia Di Pietro conceitua a licitação como “o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato“.3 E, ao destacar que a obrigatoriedade da prévia licitação para a contração pelo Poder Público alcança também a Administração Indireta, como as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, lembra que tais entidades “costumam ser chamadas por alguns autores de entidades públicas de direito privado, por terem o regime de direito comum parcialmente derrogado por normas de direito público; é o caso dos dispositivos constitucionais que impõem a licitação (arts. 22, XXVII, e 37, ‘caput,’ combinado com o inciso XXI, e com art. 173, § 1º, inciso III, da Constituição)“.4

II.6. A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União (CF, art. 22, XXVII), disciplinada a matéria pela lei 8.666, de 1993, que não apenas indica as modalidades de licitação e seu procedimento, mas também os casos em que ela é legalmente dispensável e inexigível, como autorizado pela Constituição.

II.7. Esclareça-se, entretanto, que a competência legislativa da União, registrei em voto que proferi, quando tive a honra de integrar a Corte Suprema, é restrita a normas gerais de licitação e contratação.5 Para deixar claro o meu entendimento, destaco do mencionado voto:

“(…)

A Constituição de 1988, ao inscrever, no inc. XXVII do art. 22, a disposição acima indicada, pôs fim à discussão a respeito de ser possível, ou não, à União legislar a respeito do tema, dado que corrente da doutrina sustentava que “nenhum dispositivo constitucional autorizava a União a impor normas de licitação a sujeitos alheios a sua órbita”. (Celso Antônio Bandeira de Mello, “Elementos de Dir. Administrativo,” Malheiros, 4ª ed., 1992, p. 177, nota 1). A CF/88, repito, pôs fim à discussão, ao estabelecer a competência da União para expedir normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII).

Registre-se, entretanto, que a competência da União é restrita a normas gerais de licitação e contratação. Isto quer dizer que os Estados e os Municípios também têm competência para legislar a respeito do tema: a União expedirá as normas gerais e os Estados e Municípios expedirão as normas específicas. Leciona, a propósito, Marçal Justen Filho: “como cito, apenas as normas “gerais” são de obrigatória observância para as demais esferas de governo, que ficam liberadas para regular diversamente o restante.” (“Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, Ed. AIDE, Rio, 1993, p. 13).

A formulação do conceito de “normas gerais” é tarefa tormentosa, registra Marçal Justen Filho, a dizer que “o conceito de “normas gerais” tem sido objeto das maiores disputas. No campo tributário (mais do que em qualquer outro), a questão foi longamente debatida e objeto de controvérsias judiciárias, sem que resultasse uma posição pacífica na doutrina e na jurisprudência. Inexistindo um conceito normativo preciso para a expressão, ela se presta as mais diversas interpretações”. (Ob. e loc. cits.). A formulação do conceito de “normas gerais” é tanto mais complexa quando se tem presente o conceito de lei em sentido material  norma geral, abstrata. Ora, se a lei, em sentido material, é norma geral, como seria a lei de “normas gerais” referida na Constituição? Penso que essas “normas gerais” devem apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Penso que “norma geral”, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências. Com propriedade, registra a professora Alice Gonzalez Borges que as “normas gerais”, leis nacionais, “são necessariamente de caráter mais genérico e abstrato do que as normas locais. Constituem normas de leis, direito sobre direito, determinam parâmetros, com maior nível de generalidade e abstração, estabelecidos para que sejam desenvolvidos pela ação normativa subsequente das ordens federadas”, pelo que “não são normas gerais as que se ocupem de detalhamentos, pormenores, minúcias, de modo que nada deixam à criação própria do legislador a quem se destinam, exaurindo o assunto de que tratam”. Depois de considerações outras, no sentido da caracterização de “norma geral”, conclui: “são normas gerais as que se contenham no mínimo indispensável ao cumprimento dos preceitos fundamentais, abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, básicos.” (Alice Gonzales Borges, “Normas Gerais nas Licitações e Contratos Administrativos”, RDP 96/81).

Cuidando especificamente do tema, em trabalho que escreveu a respeito do DL 2.300/86, Celso Antônio Bandeira de Mello esclareceu que “normas que estabelecem particularizadas definições, que minudenciam condições específicas para licitar ou para contratar, que definem valores, prazos e requisitos de publicidade, que arrolam exaustivamente modalidades licitatórias e casos de dispensa, que regulam registros cadastrais, que assinalam com minúcia o iter e o regime procedimental, os recursos cabíveis, os prazos de interposição, que arrolam documentos exigíveis de licitantes, que preestabelecem cláusulas obrigatórias de contratos, que dispõem até sobre encargos administrativos da administração contratante no acompanhamento da execução da avenca, que regulam penalidades administrativas, inclusive quanto aos tipos e casos em que cabem, evidentissimamente sobre não serem de Direito Financeiro, menos ainda serão normas gerais, salvo no sentido de que toda norma  por sê-lo  é geral”. E acrescenta o ilustre administrativista: “Se isto fosse norma geral, estaria apagada a distinção constitucional entre norma, simplesmente, e norma geral… ” (“Licitações”, RDP 83/16).

III. Hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

III.1. A doutrina sempre fez a distinção entre dispensa e inexigibilidade de licitação. A lei 8.666, de 1993, acompanhou a doutrina, cuidando, nos artigos 17 e 24, dos casos de dispensa e, no art. 25, de inexigibilidade. Registra Domingos Fernandes da Rocha Pais6 que, “para clarear o entendimento dos conceitos de licitação dispensada e licitação dispensável, o professor Justen Filho assim se expressa sobre o tema: “A distinção mais profunda entre os casos do art. 17 e do art. 24 relaciona-se com outro item. É que o art. 17 disciplina hipótese de alienação de bens e direitos, enquanto o art. 24 contempla regras gerais acerca de contratos envolvendo compras, obras e serviços.7

III.2. No art. 24 da lei 8.666, de 1993, estão as hipóteses em que a licitação será dispensável. Já o art. 17 da citada lei 8.666/93 contempla os casos em que o administrador está dispensado de licitar. Naquela  licitação dispensável, ou inexigibilidade de licitação  dá-se a “impossibilidade de licitação, em razão de ser inviável para o ente público realizar um procedimento licitatório, pois o bem ou serviço que se quer contratar apresenta peculiaridades que o torne único no mercado, o que impossibilita a competição com outros concorrentes,” 8ou, como leciona Celso Antônio, “só se licitam bens homogêneos, intercambiáveis, equivalentes. Não se licitam coisas desiguais. Cumpre que sejam confrontáveis as características do que se pretende e que qualquer os objetos em certame possam atender ao que a Administração almeja.”9

III.3. O que distingue, portanto, as duas hipóteses  dispensa e inexigibilidade é a possibilidade de competição, existente na primeira e ausente na segunda. De fato, a licitação será dispensada quando, embora possível a disputa, determinadas circunstâncias estejam a recomendar a contratação direta, seja em razão do valor da obra ou serviço a ser contratado, seja em decorrência da urgência que a contratação requer  casos de calamidade pública, por exemplo, seja mesmo por falta de interessados em certame anteriormente realizado.

III.4. Já na segunda hipótese, objeto deste estudo, inexiste possibilidade de disputa entre os eventuais interessados, ou, como quer a lei, há “inviabilidade de competição”. Dispõe o art. 25 da lei 8.666/93:

“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”.

III.5. Cuidemos do inciso II: é inexigível a licitação quando conjugados três requisitos: (i) contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 do mesmo diploma legal;10 (ii) que os serviços tenham natureza singular, e (iii) que os profissionais ou empresas a serem contratados tenham notória especialização na execução dos serviços a serem prestados.

  • Leia aqui a íntegra do artigo.

_______________

1 JUSTEN FILHO, Marçal, “Curso de Direito Administrativo”, 2ª ed., p. 316; “Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos”, Dialética, 9ª ed., ps. 57 e segs.

2 MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, 20ª. Ed., p. 242; “Licitação e Contrato Administrativo”, Malheiros, 13ª ed., ps. 25 e segs.

3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”, Atlas, p. 348.

4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, ob. cit., ps. 348-349.

5 ADI 927-MC/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, “DJ” de 11.11.94, em www.stf.jus.br/Jurisprudência.

6 ROCHA PAIS, Domingos Fernandes, “Os aspectos do credenciamento em confronto com a Lei de Licitações nos procedimentos adotados na ANEEL”, Rev. Tributária e de Finanças Públicas, Ed. RT, 70/131.

7
JUSTEN FILHO, Marçal, “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, p. 211.

8 ROCHA PAIS, Domingos Fernandes, ob.e loc. citados.
9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, 19ª ed., p. 505.
10 “A relação do art. 13 é meramente exemplificativa”: Justen Filho, Marçal, “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, Dialética, 9ª ed., p. 140; Pereira Júnior, Jessé Torres, “Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública”, Renovar, 4ª ed., p. 100.
 

Fonte: www.migalhas.com.br

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