Nada como um dia após o outro

Minha mãe, quando me ouve reclamando das agruras do meu dia, vem com a frase “nada como um dia após o outro”. Na prática, com essas simples palavras, o que ela faz é apontar para a beleza intrínseca da vida, em que dois dias atribulados são sempre separados por uma noite, um intervalo propício para a reflexão sobre os eventos, antes de, despertando, vermos que dispomos de uma página em branco, pronta para ser preenchida com novas experiências, ideias e ações significativas. Nesse ciclo que se reinicia o tempo todo, encontramos ora surpresas positivas ora desafios inevitáveis, pois, afinal, isso é viver. A fala despretensiosa da minha mãe é um lembrete de que, independentemente das dificuldades, o amanhã trará consigo a oportunidade de uma história diferente, de um futuro melhor.

A vida costuma nos presentear com reviravoltas que desafiam até mesmo as previsões mais sombrias, não é mesmo? Recentemente, testemunhei isso de perto, mais uma vez, ao enfrentar, com minha esposa, uma notícia desoladora: a impossibilidade de termos outro filho naturalmente. A dor foi intensa, pois nosso sonho é dar um irmãozinho ou uma irmãzinha para o Samuel. Qual não foi nossa surpresa, então, quando, apenas duas semanas mais tarde, Vivi descobriu que estava grávida, desafiando o diagnóstico médico inicial. Aliás, talvez ela já estivesse grávida na fatídica consulta! Para completar, tal reviravolta se deu no mesmo dia em que precisei tomar uma decisão difícil na empresa, algo que havia me deixado triste. Em resumo, passei do fundo do poço para o céu num piscar de olhos. Pois então. Nada como um dia após o outro…

Eu já tinha vivido algo parecido antes, embora não no campo pessoal. Em maio de 2014, o Gran passava por uma grave crise de caixa quando fomos surpreendidos por outra dessas voltas que o mundo dá. Os dias eram sombrios, nossa ansiedade estava nas alturas, e o medo de uma potencial falência era esmagador naqueles exaustivos dias de trabalho. No entanto, como um sopro de esperança, um edital grandioso surgiu no último momento, bem na área em que já éramos reconhecidos, e acabou impulsionando as vendas e dando um novo fôlego à empresa. Foi mais uma dessas reviravoltas extraordinárias que nos pegam pelo caminho. Enfim, nada como um dia após o outro…

A história é cheia de exemplos que reforçam essa impressão. Nelson Mandela é um deles. Mesmo depois de décadas de prisão injusta, ele emergiu para se tornar um líder visionário na era pós-apartheid na África do Sul. Sua trajetória, embora marcada por dias turbulentos, é a prova de como a reconciliação e a compaixão podem contribuir para a construção de um futuro melhor. Mandela foi a personificação do lema “nada como um dia após o outro”. Sua vida foi um testemunho de que mesmo nos momentos mais difíceis é possível erguer um mundo mais justo com base no perdão.

Abraham Lincoln, o presidente que liderou os Estados Unidos durante a Guerra Civil, foi outro personagem que ensinou muito sobre os frutos que se pode colher a cada fase ruim superada. “Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer”, disse ele, certa feita, num apelo à conciliação dos americanos do sul e do norte. Naquele contexto, a mensagem era de união em vez de divisão, mas também de resiliência. O legado de Lincoln, tal qual o de Mandela, inspira a enfrentar cada dia com coragem, na certeza de que todos podemos fazer a diferença em nossa vida e na do próximo.

Nesse sentido, as palavras de Jesus em Mateus 6:34 ressoam como um sábio conselho. Ali, o Filho de Deus nos encoraja a não nos preocuparmos excessivamente com o amanhã, pois cada dia carrega suas próprias alegrias e seus próprios desafios. Devemos descobrir meios de crescer em meio às adversidades, que são inevitáveis, vivendo um dia depois do outro com esperança mas também com pragmatismo, isto é, sem perder o senso de realidade. Não significa abdicar de fazer planos, e sim de cultivar a paciência e a fé.

O que quero dizer é que fases ruins vêm e vão; é algo inerente à experiência humana. Elas nos atormentam, nos fazem chorar, perder a esperança e por vezes pensar em desistir. Ainda assim, temos de reconhecer que até mesmo as nuvens dos dias mais nublados escondem um céu azul acima delas. Enxergá-lo é questão de tempo. A pausa soturna pode, aliás, nos guiar para atalhos antes inimagináveis em nossa jornada rumo aos nossos maiores sonhos. Nada impede, é claro, que expressemos nossa frustração e extravasemos a nossa raiva quando ela alcançar níveis insuportáveis, mas o melhor é canalizar esse misto de sentimentos para algo de produtivo. O quê, cabe apenas a você descobrir.

Então sigamos em frente, abraçando cada dia como nossa maior oportunidade. Naturalmente, períodos bons e ruins se alternarão no caminho, e é com a esperança renovada a cada amanhecer que enfrentaremos as adversidades, aprendendo, evoluindo e nos aprimorando. Nada como um dia após o outro, com a noite no meio para renovar nossa disposição e nos preparar para novas conquistas.

Cada nascer do sol há de nos oferecer um novo dia, e com ele a maior promessa de todas, de um futuro cheio de possibilidades. “Não são as ervas más que afogam a boa semente, e sim a negligência do lavrador.” – Confúcio (552 a.C. a 489 a.C.), filósofo chinês

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