Por Tânia Nigri
Há décadas doutrina e jurisprudência se debruçam sobre a tormentosa pergunta: pode oMinistério Público acessar dados bancários de pessoas investigadas, sem ordem judicial prévia?
O debate ganhou importante contorno, por ocasião do julgamento do MS 21.729-DF, quando se julgava o mandado de segurança impetrado pelo Banco do Brasil contra determinação emanada do Procurador Geral da República objetivando acesso à lista dos beneficiários de empréstimos subsidiados, concedidos ao setor sucroalcooleiro, assim como à relação dos mutuários que já estivessem previamente em débito com a instituição bancária.
A questão central se referia à possibilidade constitucional de acesso, pelo Ministério Público, a dados bancários de particulares, sem prévia intervenção do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, até então, vinha proferindo decisões majoritariamente restritivas, sob o argumento de que, por ser o sigilo bancário espécie do gênero “direito à intimidade1, deveria haver um terceiro imparcial que analisasse o pedido de acesso.
Na referida ação mandamental, o Ministério Público sustentou a tese de que a requisição estaria relacionada aos financiamentos concedidos a pessoas jurídicas, não se podendo alegar, no caso, a inviolabilidade da vida privada, acrescentando, ainda, que a negativa de cumprimento da ordem ministerial violaria os artigos 129, inciso VI, da Constituição Federal e o artigo 8º, incisos II e IV e § 2º, da Lei Complementar nº 75/93.
O julgamento transcorreu em meio a acalorados debates, quando foi observado pelo Ministro Octávio Gallotti, que as informações pretendidas pelo Ministério Público se referiam a empréstimos concedidos com recursos públicos, decorrentes de política financeira e creditícia do Governo Federal, não lhes sendo aplicados os normativos sobre sigilo bancário, mas somente aqueles insculpidos no artigo 37 da Lei Maior, que assegura a publicidade dos atos administrativos.
O detalhe, assinalado acima, acabou por mudar, não apenas o rumo daquele julgamento, mas inaugurou nova fase na fiscalização das atividades governamentais, atribuindo uma nova dimensão na aplicabilidade dos dispositivos incentivadores desse acompanhamento do uso de dinheiro público.2.
O STJ também já teve a oportunidade de se manifestar sobre essa questão, mais especificamente no julgamento do HC 308.493/ CE, em que, depois de denunciado pelo Ministério Público pela prática de crimes, um prefeito impetrou habeas corpus alegando que as provas coligidas contra ele seriam ilegais, pois obtidas através de quebra de sigilo bancário diretamente pelo Ministério Público, sem intervenção prévia do Poder Judiciário3.
A decisão foi no sentido de que são lícitas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público, já que as informações bancárias eram da Prefeitura Municipal e a requisição visava apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública, não gozando de intimidade essas contas correntes, devendo prevalecer o princípio da publicidade e da moralidade, que impõem o dever de transparência.
Mais recentemente essa questão voltou ao STF, quando a Corte julgava o RHC 133.118, em que o prefeito de Potengi (CE) pedia o trancamento de uma ação penal que lhe era movida, onde era acusado de associação criminosa, fraude a licitação, lavagem de dinheiro e peculato. Diante dos indícios de ilícitos penais com a utilização de dinheiro público, o Ministério Público do Ceará requisitou diretamente ao Banco os dados bancários do município e de fitas de caixa para apuração do real destino das verbas.
Parece claro que não há qualquer violação, mesmo reflexa, ao instituto do sigilo bancário, quando o Ministério Público busca acesso às operações bancárias realizadas com recursos públicos. A Constituição Federal assegura, há quase três décadas, a publicidade dos atos administrativos, não havendo mais espaço para tantos questionamentos, que, além de burocratizarem a atividade de fiscalização, objetivam, na maioria das vezes, o esvaziamento do poder de controle do uso do dinheiro da coletividade e o combate a corrupção.
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1 Em sua tese, entretanto, o Ministério Público sustentou que a requisição estaria relacionada aos financiamentos concedidos a pessoas jurídicas, não se podendo alegar, no caso, a inviolabilidade da vida privada, acrescentando, ainda, que a negativa de cumprimento da ordem ministerial teria violado os artigos 129, inciso VI, da Constituição Federal e o artigo 8º, incisos II e IV e § 2º, da Lei Complementar nº 75/93, insistindo, portanto, na possibilidade de requerer as informações diretamente, sem a intervenção judicial.
2 A fundamentação do indeferimento do mandamus não foi unânime.
3 Em julgamento realizado em 2015, a primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, negou segurança ao MS nª 33340, impetrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contra acórdão proferido pelo TCU- Tribunal de Contas da União, que havia determinado o envio de informações envolvendo as operações de crédito (verba pública) realizadas com o grupo JBS/Friboi.
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