Entre serpentes e pombas

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25 de julho4 min. de leitura

Nossa trajetória neste plano é marcada por altos e baixos. A vida não é mesmo fácil e, para complicar mais um pouco, ainda cobra de nós equilíbrio. Equilíbrio entre bem e mal, força e fraqueza, coragem e medo, determinação e apatia. Hoje nossa conversa será sobre dois quase opostos que temos de conciliar em nossas escolhas: prudência e simplicidade. Não à toa, a Bíblia ensina: “Sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10:16). Sem meias-palavras, se quisermos concretizar nossos mais sublimes sonhos, precisaremos ser, senão verdadeiros mestres do paradoxo, ao menos bons gestores de características um tanto díspares.

Mas como fazer isso?

Vamos começar compreendendo o ensinamento do Mestre. Ora, serpentes são animais tidos como prudentes e astutos. Não ficam por aí se exibindo aos inúmeros predadores, dos quais seriam presas fáceis. Ou seja, comportam-se com cautela, evitando expor-se a perigos desnecessários. Felizmente para elas, conseguem enxergar no escuro, mas, ainda assim, tratam de se manter escondidas no mato. Hábeis em antecipar o perigo, reagem rápido, seja batendo em retirada, seja dando o bote. Parece até que seguem à risca o tratado militar “A arte da guerra”, de Sun Tzu. São ágeis e perspicazes; elegantes e imponentes. O bicho impressiona tanto que chega a hipnotizar. Em síntese, sabedoria e cautela são características marcantes desses animais de sangue frio que vivem em estado de alerta.

Nesse ponto são bem diferentes das pombas, símbolo de inocência, pureza, simplicidade, paz. Se as cobras provocam pânico ao serem avistadas, as pombas, no extremo oposto, acalentam e tranquilizam. Sua presença em parques e praças não intimida ninguém. Incapazes de fazer o mal, também não temem seres humanos; confiam tanto que comem na mão deles sem desconfiar de qualquer perigo. Seres de hábitos simples, contentam-se com pouco, por isso ficam por ali, satisfazendo-se com as migalhas que lhes são lançadas. Esse despojamento todo tem um porém: expõe o pássaro a riscos facilmente evitáveis. Às vezes, nem quando se vê face a face com um predador, o pombo foge. Em resumo, ao contrário das cobras, pombos não são nada precavidos.

Então, retorno à pergunta do início de nossa conversa: como equilibrar as características desses dois animais e, assim, pôr em prática os ensinamentos do Mestre? Antes da resposta, considere que quem se inspira apenas na serpente tende a ser inflexível, rude, crítico demais. Incapaz de sentir compaixão, é alguém que almeja levar vantagem em tudo e vive impondo sua opinião e vontade. Já quem é apenas simples e excessivamente relaxado como a pomba é também submisso e inseguro. Destituído de ambição, não costuma ir muito longe.

Ora, nem tanto ao mar, nem tanto à terra! É preciso ser prudente, sim, se a ideia é esquivar-se do mal, dos perigos, das armadilhas, das intrigas; e é preciso, claro, ter simplicidade para fazer o bem e viver com coração leve. Há que agir com moderação, combinando diferenças e extraindo delas o que há de melhor em cada uma. O ideal é ser esperto e simples; astuto e moderado. As qualidades, se não se fizerem acompanhar pela sensatez, podem se tornar defeitos, fraquezas bastante prejudiciais. Logo, retidão com doses de prudência são os ingredientes perfeitos para uma receita de sucesso.

É de simplicidade que precisamos? Sem dúvida! Sendo simples, conseguimos pavimentar nosso caminho com leveza, sem excesso de autocobrança. Talvez seja por isso que Rubem Alves tenha dito que “simplicidade é querer uma coisa só”. É verdade, o muito querer dispersa o foco. Tome o exemplo de um bebê de colo, como o pequeno Samuel, que neste momento dorme aqui ao lado. Quando ele chora, Vivi e eu já sabemos que não é preciso muito para acalmá-lo: ele pode estar com fome, sono ou apenas louco para se livrar da fralda suja. Note como é relativamente fácil encontrar uma solução para quem pensa e vive simples. Agir com simplicidade é fazer o que tem de ser feito, sem pensamentos mirabolantes. É simplificar as coisas atacando o que é essencial.

Mas frugalidade não pode ser encarada como sinônimo de ignorância. Ser despretensioso não é o mesmo que ser bobo, tolo, sonso. Simplicidade combina, sim, e muito, com prudência – a prudência, a cautela, a paciência das serpentes. Agir com ponderação pressupõe adaptar-se às mais variadas situações. É ajustar-se a contratempos de maneira calculada e tranquila. É evitar conflitos inúteis, escolhendo não falar tudo o que pensa e esquivando-se de cenários perigosos. É, sobretudo, escolher bem as companhias. Quem tem a sabedoria da serpente se renova várias vezes, troca de pele e elimina os parasitas a fim de se tornar mais ágil e, assim, poder atacar os inimigos de forma eficiente.

Em suma, entendo que a lição do Mestre é no sentido de sermos astutos mas não traiçoeiros; precavidos mas sem perder a espontaneidade; capazes de navegar no mar calmo mas também no oceano turbulento, na companhia tanto de bons como de maus marujos.

Sejamos, então, prudentes e prevenidos quanto aos perigos da vida. Ao mesmo tempo, deixemos a simplicidade nos guiar, direcionando nossas preocupações ao que é verdadeiramente importante.

E então, o que lhe parece essencial HOJE? Vá lá e faça o que precisa ser feito, mas, lembre-se, conjugando prudência e simplicidade.

“Prudência é saber distinguir as coisas desejáveis das que convém evitar.” – Cícero (106 a.C.-43 a.C.), um dos maiores filósofos da Roma Antiga.

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