Um novo ponto de vista

Ao contar uma história, o ponto de vista é peça-chave. Com certeza, você já leu algum livro em que o narrador traz à tona os acontecimentos sob sua exclusiva perspectiva. Um bom exemplo é a obra “Dom Casmurro”, em que Bentinho, já idoso, compartilha suas memórias, revelando as suspeitas que sempre teve sobre uma possível traição da esposa, Capitu. No entanto, o leitor nunca tem certeza se as suspeitas são reais ou mero produto do ciúme doentio do protagonista. Agora, imagine se a mesma história fosse contada por um narrador onisciente, que sabe de todos os fatos. O mistério que tanto cativa os leitores do clássico de Machado de Assim desapareceria. E se a história fosse contada pela própria Capitu? Teríamos uma perspectiva completamente – repito: completamente – diferente. Como se vê, o ponto de vista é crucial, pois ele molda nossa percepção, influenciando nossas ações e até mesmo nosso futuro.

Uma das lições mais valiosas legadas pelo pensador Confúcio fala da importância de manter a mente aberta e flexível. Frequentemente, nossa visão limitada do mundo nos impede de compreender plenamente o que acontece a nossa volta. O filósofo nos ensina, então, a questionar nossas crenças e a considerar diferentes perspectivas antes de tomarmos decisões importantes. Você já vivenciou uma situação que no passado tenha parecido relevantíssima, a ponto de lhe causar ansiedade e angústia, mas que aos olhos de hoje se mostra muito menos significativa? É simples, seu ponto de vista mudou porque você evoluiu, amadureceu e se tornou mais sábio, encontrando no caminho poderosas ferramentas para lidar com as dificuldades impostas pela vida.

Se concentrarmos nossa atenção em pequenos detalhes, como um ponto na parede ou uma pedra no caminho, deixaremos de enxergar o todo ou de ampliar nossa visão além dessas pequenezas. Em nossa jornada, nossos pontos de vista são refinados com o tempo. A sabedoria, fruto de muita reflexão sobre as complexidades do mundo, requer conhecimento e pressupõe experiência. Digo mais: ela nem sempre é encontrada nas páginas de livros ou nas salas de aula. Não tem jeito, é preciso vivência mesmo.

O alemão Nietzsche foi outro filósofo que tratou do tema da superação de adversidades como algo essencial para o crescimento individual de qualquer um de nós. Sua famosa frase, “aquilo que não me mata me fortalece”, traduz uma mudança de perspectiva em relação ao sofrimento. De fato, Nietzsche via o sofrimento não como desgraça, mas como oportunidade para o fortalecimento e a autotransformação.

É nesse contexto que faço uma provocação: talvez o momento difícil que você está atravessando agora seja uma oportunidade para você amadurecer e se aprimorar como pessoa. Quem sabe sua frustração como concurseiro reprovado na última prova seja, na realidade, uma chance de conquistar algo ainda melhor? Eis aí uma perspectiva mais auspiciosa… Que tal dar uma chance a ela e a si mesmo?

Algumas pessoas se fecham para qualquer ponto de vista que não seja o delas próprias. Fixam a atenção nos ângulos errados e tapam os ouvidos para perspectivas diversas e enriquecedoras. Isso prejudica, e muito, a compreensão dos fatos e pode impactar negativamente os resultados esperados. Às vezes, tudo que precisamos é dar um passo para o lado – ou para trás – a fim de encontrar um ângulo diferente e, assim, ser capaz de notar o caminho que leva a maiores realizações.

Segundo Mario Sergio Cortella, escritor brasileiro que dispensa apresentações, a busca por um novo ponto de vista contribui para encontrarmos sentido até mesmo nas adversidades. Sem contar que, quando exploramos diferentes formas de ver o mundo, identificamos com maior facilidade o significado por trás das nossas próprias ações e decisões.

A mente humana é altamente moldável. Isso é ótimo, porque, assim, quem realmente quer pode reprogramá-la a seu favor. Qualquer um de nós está apto a transformar seus modelos mentais e desenvolver mais clareza e otimismo para lidar com os desafios diários. Trata-se de abandonar padrões de pensamento limitados e limitantes, substituindo-os por outros, mais expansivos, que contribuam para que enxerguemos oportunidades onde antes só víamos obstáculos.

Imagine duas pessoas em lados opostos, observando um número pintado no chão. Uma enxerga o número 6; a outra vê o número 9. Posições diferentes; pontos de vista diferentes, e sobre um mesmo dado! Note que alguém “de fora” facilmente perceberia que ambas estão certas. A lição que se extrai é que basta analisar a situação em sua totalidade para alcançar a melhor percepção da realidade.

No ambiente corporativo, não é raro conflitos surgirem de pontos de vista divergentes. Cada colaborador tende a enxergar apenas a sua parte do trabalho, as suas próprias rotinas. A liderança vem, então, desempenhar um papel crucial ao unir todos em prol de uma visão mais ampla, capaz de direcionar a equipe rumo a um objetivo comum.

O fato é que às vezes nos agarramos a muletas que acreditamos ser essenciais, mas, ao deixá-las de lado, descobrimos que temos equilíbrio para seguir com nossas próprias pernas. Novos caminhos são traçados, e verdadeiramente transformamos nossa vida.

Então, amigo leitor, amiga leitora, abandone qualquer muleta que esteja limitando você e trate de buscar novos pontos de vista. Expanda seu horizonte. Acredite, isso pode mudar tudo.

“Pretendo viver cada dia como se fosse uma vida completa.” – Sêneca

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