Impostor autoimposto

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01 de agosto5 min. de leitura

Recentemente vi na CNN Brasil que 7 em cada 10 pessoas têm a sensação de ser uma fraude. De início fiquei surpreso com número tão alto, mas logo concluí que deve ser isso mesmo, muito por causa dos modelos para comparação que a sociedade contemporânea nos oferece. No mundo de hoje, de interações rápidas e rasas nas redes sociais, nossas referências são igualmente superficiais. Nada nem ninguém que vemos no Instagram ou no TikTok é, de fato, como a tela do smartphone faz parecer. A complexidade de uma vida humana não consegue ser resumida em um feed. Ainda assim, é a vida ali retratada que almejamos. Então, não importa o quão bons sejamos em algo, nunca parece suficiente.

Essa sensação de permanente insatisfação e incompletude em face dos modelos que adotamos não é novidade. Há mais de quarenta anos, as cientistas Pauline Glance e Suzzane Imes a descreveram como síndrome (ou experiência) do impostor. O que se nota, porém, é que as redes sociais aparentemente intensificaram o fenômeno. O ambiente de competitividade cada vez mais presente, que por si só já tem tudo para ser um tanto tóxico, se torna ainda mais nocivo se somos bombardeados o tempo todo com vídeos curtos e outros posts de (sub)celebridades “belas”, “ricas” e “felizes”. Ou seja, hoje, mais do que nunca, é provável que a síndrome do impostor esteja atrapalhando você a alcançar algum ou alguns dos seus sonhos.

A palestrante e empresária norte-americana Lou Salomon descreve de maneira bem didática a síndrome da qual estamos falando. Segundo ela, é como se dentro do cérebro houvesse uma voz que está sempre questionando as nossas habilidades. Quando algo dá certo, essa voz inimiga diz que desta vez funcionou, por sorte, mas “vai ser difícil na próxima”. Se nos dispomos a buscar algo mais desafiador, lá vem ela: “Você não vai conseguir. Isso é só para pessoas muito inteligentes, o que não é o seu caso”. É o tipo de voz “conselheira” que nos leva a recusar uma promoção no trabalho por medo de descobrirem que somos uma “fraude”, ou que afirma que não nascemos no lugar certo e por isso estamos fadados ao fracasso se tentarmos sair da nossa limitada caixinha. É a mesma voz, por fim, que faz uma pessoa interessada numa vida melhor nem sequer se inscrever num concurso, por exemplo, de tanto receio de ser reprovada.

Mas preciso lhe dizer, amigo leitor: quem criou esse sujeito tóxico foi você mesmo, assim como é você que o alimenta e o mantém vivo. Se ele está aí envenenando seu espírito, é porque você permite. Ou seja, enquanto você não decidir combatê-lo, ele continuará sabotando seus relacionamentos, destruindo seus sonhos, roubando sua felicidade. Salomon explica que não é possível eliminá-lo por completo, sobretudo se quem o abriga tem histórico de problemas de autoestima. Mesmo assim, ao tomar consciência de que esse falso melhor amigo está à espreita, é possível começar a agir para calá-lo, ou ao menos baixar o tom de sua voz.

Como? Bem, primeiro será preciso garantir um aliado que lhe sirva de contraponto. Chamaremos esse ponto de apoio de “Sábio EU”. O Sábio EU é racional, inteligente, ponderado e, o melhor de tudo, otimista. Se o outro diz que não conseguirei algo, o Sábio EU aparece na frente e me faz recordar cada um dos meus avanços, mostrando-me o quanto evoluí até aqui e aonde já cheguei com meu esforço e minha determinação. Se ele desconfia que ainda não conseguiu me animar como pretendia, enumera cada uma das dificuldades que superei para estar onde estou. E assegura: “Esta é só mais uma. Você é um sobrevivente!”. Em suma, sempre que aquela voz incômoda tenta me convencer de que algo não é para mim, o Sábio EU vem e fala: “Calma lá! Você merece, você pode, você consegue; você não é a única pessoa a romper barreiras e, mesmo que fosse, teria condições de ser o primeiro”. O Sábio EU adota, enfim, o mote que temos no Gran, de que todo mundo pode, independentemente de status social, raça, gênero ou ambiente familiar, cada um no seu tempo e com a sua própria jornada.

Não faz muito tempo, escutei de um amigo e diretor do Gran a adaptação de uma parábola que fala de talentos. Nela, um homem chamado Ismael morre e, ao encontrar Deus, é indagado repetidas vezes se, ao longo de sua passagem na Terra, agiu como certas pessoas notáveis que Ele cita como exemplo. Em resposta, o homem repete que não, porque, afinal, ele simplesmente não era “essas outras pessoas”. Deus, por fim, lhe pergunta se, então, agira em conformidade com as próprias capacidades e talentos. Ismael assente que, na verdade, vivera melhor versão de si mesmo que pôde alcançar. Deus, que já sabia a resposta, ficou satisfeito com o que escutou. A moral da história é que precisamos nos orgulhar por aquilo que efetivamente somos, considerando as nossas habilidades, os nossos talentos e os nossos dons, em vez de seguir nos medindo pela régua dos outros. Podemos, sim, nos inspirar no próximo – essa é a ideia, aliás, do nosso canal no YouTube, o canal Imparável –, mas jamais deveríamos pautar toda a nossa existência na pequena parte da vida de terceiros que conseguimos ver. Afinal, todos temos falhas, e apenas nós mesmos sabemos exatamente onde o calo aperta.

Isso me lembra, aliás, algo que aconteceu comigo outro dia, quando tomei conhecimento do comentário de uma pessoa que dizia como às vezes se sentia mal ao ver que eu já havia concluído dois treinos na academia e trabalhado muito no mesmo espaço de tempo que ela mal tinha engatado em suas tarefas cotidianas. Não vou mentir: a chamada de atenção me deixou um tanto triste. Não é raro chegarem até mim relatos de gente que começou, por exemplo, a praticar atividade física inspirada na minha rotina de homem ocupado que, ainda assim, sempre dá um jeito de encaixar nela os treinos. É exatamente esse tipo de efeito que procuro produzir com minhas postagens nas redes sociais. Meu intuito é incentivar o meu seguidor a ser mais e melhor dia após dia. Definitivamente não é causar mal-estar em quem quer que seja.

Esse é o problema das redes sociais. Sei que minha história é marcada por muitos privilégios. Sei também que me insiro numa parcela pequeníssima da população com acesso a toda uma estrutura e uma rede de apoio que me propicia mais tempo útil e facilidade para fazer certas coisas. Nada disso, porém, tira o mérito do que já fiz ou do que faço. Tampouco anula as outras tantas dificuldades que tenho de superar para no fim do dia ter dado conta de tudo que precisava fazer. Ora, como mencionei no início desta conversa, o recorte que Instagram, TikTok e afins fazem da rotina dos chamados “influenciadores digitais” é o que é: um recorte que está longe de representar na plenitude esses que, por trás da tela, são seres humanos altamente complexos.

Reitero: precisamos calibrar nossa visão e saber filtrar o que enxergamos. Inspire-se, mas não se compare. Você não precisa fazer as mesmas coisas no mesmo ritmo e na mesma intensidade que ninguém. Se achar pertinente, pode, é claro, se inspirar em alguém, desde que sem se perder do seu próprio caminho e de construir a sua própria história, conforme a sua realidade, as suas limitações, os seus desafios, a sua vida.

De certo modo, somos todos impostores neste mundo. Ninguém é bom em tudo e ninguém chegará nem perto de saber a totalidade do que há para saber. Se a existência humana tem prazo quase certo para acabar, o conhecimento, o aprendizado e os desafios, ao contrário, são infinitos. Por isso, procure evoluir continuamente, mas saiba reconhecer o seu próprio valor. Você é importante para muita gente e, acredite, sua vida faz diferença. Não deixe ninguém, nem você mesmo, disfarçado de inimigo interno, dizer o contrário.

 

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