Palavra de Quem Entende: A audiência de custódia no Processo Penal brasileiro

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11 de Abril de 2016

audiência de custódiaUm dos temas mais interessantes e hodiernos do Processo Penal, que poderá ser objeto das próximas avaliações da OAB/FGV é a chamada audiência de custódia.

Em que consiste a referida audiência?

Trata-se do direito do indivíduo preso, autuado em flagrante delito, de ser conduzido, sem demora, à presença de uma autoridade judiciária para que esta, na ocasião, tome conhecimento de possíveis atos de maus tratos ou de tortura e, ainda, para que se promova um espaço de dialética entre as partes acerca da legalidade ou ilegalidade da prisão cautelar.

Assim, deverá ocorrer a apresentação do preso em flagrante à presença do juiz (o juiz plantonista que atualmente atua na homologação do auto de prisão em flagrante) no prazo de até 24 horas, isso para garantir que eventual prisão arbitrária e ilegal seja relaxada nos moldes que assegura a Constituição da República Federativa do Brasil.

Na audiência em tela, deverão participar o representante do Ministério Público e o advogado de defesa, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.

Segundo Paiva, o conceito e a finalidade da audiência de custódia seriam:

O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal[1].

Percebe-se que a implementação da referida audiência, se faz necessária, uma vez que o atual Código de Processo Penal prevê apenas o encaminhamento da cópia do auto de prisão em flagrante para que o juiz competente analise a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão em flagrante, conforme os artigos 306 e 310 do CPP.

A reforma processual penal de 2008 poderia ter resolvido o problema, todavia nada mencionou a respeito da audiência de custódia, pelo contrário, o Código Processual Penal estabeleceu um prazo máximo de até 60 dias para a primeira audiência judicial em que o réu será ouvido (no rito comum ordinário).

Também se deve trazer à baila, que houve um aumento assustador dos enclausuramentos provisórios no Brasil, pois segundo informações do Depen para o ano de 2012, as prisões provisórias[2]contabilizavam 57% dos casos. Infelizmente, constata-se que na prática, há um elevadíssimo índice de prisões decretadas sem a devida necessidade cautelar.

Nesse contexto, o atual codex, tem se mostrado ineficiente, uma vez que não há um célere e efetivo controle judicial sobre a legalidade e necessidade da prisão cautelar. Ademais, urge a necessidade de o juiz verificar se houve uma eventual prática de violência ou desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa detida, podendo, o magistrado, se for o caso, determinar a imediata apuração de qualquer abuso que por ventura possa ter ocorrido.

Com certeza, a audiência de custódia exigirá dos operadores do direito uma maior responsabilidade, assim, juízes, promotores e advogados deverão trabalhar com prudência, dentro dos critérios da legalidade e da eficiência.

Como se vê, o atual regramento estabelecido no Código de Processo Penal prevê que o contato físico entre o detido e o juiz, ocorrerá, na maioria dos casos, meses após a sua prisão, somente na audiência de instrução e julgamento (no interrogatório do réu).

O respaldo jurídico que justifica a criação das audiências de custódia no Brasil é a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) que fora ratificada em nosso país, no ano de 1992. Prevê a Convenção, em seu artigo 7.5:

“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” (grifei). [3]

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nos mesmos moldes, estabelece que “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (…)”[4].

Por óbvio, o Brasil necessita adequar-se aos compromissos assumidos nos tratados e convenções internacionais, devendo, destarte, garantir uma leitura convencional e constitucional do processo penal brasileiro.

Quanto ao tema, o Comitê de Direitos Humanos da ONU estabeleceu que o atraso entre a prisão de um acusado e o momento em que ele comparece perante o juiz “não deve ultrapassar alguns dias”, nem mesmo durante estado de emergência. Por tal razão, em solo pátrio, entendeu o Conselho Nacional de Justiça, que o prazo de até 24 horas da apresentação do preso à presença da autoridade judiciária, estaria condizente com a razoabilidade.

Conforme mencionado acima, no entanto, foi o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio de Resolução, que adotou as medidas a fim de colocar a audiência de custódia em prática.

Em verdade, há uma tendência mundial neste sentido, na América Latina, por exemplo, já se adequaram as legislações da Argentina (prevê o prazo de até seis horas após a prisão), da Colômbia (prevê o prazo de até 36 horas após a prisão) e do Chile (prevê o prazo de até 12 horas após a prisão).

No Brasil, após a implementação da audiência de custódia, cerca de 8 mil pessoas presas em flagrante deixaram de entrar nos presídios em 2015, após passarem pela referida audiência, em todo o país. Os 26 estados e o Distrito Federal já aderiram ao programa de audiências de custódia [5].

Sobre o tema, há um projeto de lei que tramita no Senado Federal, o PLS nº 554[6], do ano de 2011, atribuindo uma nova redação aos parágrafos do artigo 306 do CPP, conforme se vê:

“Art. 306. (…)

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código”.

Gize-se que caberá ao juiz no momento da audiência de custódia: relaxar a prisão em flagrante que fora considerada ilegal; decretar a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão (artigo 319 do CPP) ou manter solta a pessoa suspeita da prática de determinada infração penal, se verificar que estão ausentes os pressupostos da prisão preventiva (artigo 312 do CPP).

Assim, com a criação das audiências de custódia, dever-se-á evitar, ou ao menos limitar, o número de prisões arbitrárias e ilegais, que, por qualquer motivo, sejam desproporcionais e desnecessárias. O Estado estaria obrigado a garantir a tutela da integridade moral e física do preso provisório.

Haverá a prevenção contra a tortura e eventuais abusos cometidos em delegacias de polícia, assegurando-se, assim, a efetiva tutela dos direitos fundamentais do autuado em flagrante delito.

Ademais, havendo este primeiro contato pessoal do imputado com o juiz, caberá a este aferir qual seria a melhor medida a ser aplicada ao caso concreto, satisfazendo-se a proporcionalidade dos atos judiciais: necessidade e adequação.

Nessa linha, o Projeto de Lei 554 de 2011 representa uma grande conquista ao processo penal democrático, pois tutela a dignidade humana do autuado em flagrante (que é presumido inocente), também lhe garante o imediato acesso a jurisdição criminal e a possibilidade de defender-se à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Ainda, a implantação da audiência de custódia em todo território nacional permite que o Brasil honre os compromissos assumidos no cenário internacional, bem como os princípios estampados na Constituição Federal, em especial a dignidade da pessoa humana.

Pelo exposto, trata-se de uma forma de contenção do poder punitivo estatal, pois, sabe-se que o direito penal cada vez mais se volta para a subsidiariedade e fragmentariedade, evitando-se a sua intervenção desarrazoada.

Por fim, garante-se um controle judicial célere e eficaz sobre a legalidade, necessidade e adequação da prisão cautelar, minimizando as superlotações nos presídios nacionais.

REFERÊNCIAS

PAIVA, Caio. Na Série “Audiência de Custódia”: conceito, previsão normativa e finalidades. Disponível em: www.justificando.com/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodia-conceito-previsao-normativa-e-finalidades/br Acesso em: 23 de março de 2016.

AMERICANOS, Organização dos Estados. PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969. Disponível em:https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 24 de março de 2016.

Audiência de Custódia. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/audiencia-de-custodia-evitou-entrada-de-8-mil-nos-presidios-entenda.html. Acesso em: 23 de março de 2016.

Projeto de Lei nº 554 de 2011. Disponível em:http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102115. Acesso em: 23 de março de 2016.

[1] PAIVA, Caio. Na Série “Audiência de Custódia”: conceito, previsão normativa e finalidades. Disponível em: www.justificando.com/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodia-conceito-previsao-normativa-e-finalidades/br Acesso em: 23 de março de 2016.

[2] A prisão provisória é gênero, da qual são espécies: a prisão em flagrante (artigo 301 do CPP); a prisão temporária (Lei n°7.960/89); a prisão preventiva (artigo 312).

[3] AMERICANOS, Organização dos Estados. PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA. San José: Organização dos Estados Americanos, 1969. Disponível em:https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 24 de março de 2016.

[4] Art. 9. 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

[5] Audiência de Custódia. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/audiencia-de-custodia-evitou-entrada-de-8-mil-nos-presidios-entenda.html. Acesso em: 23 de março de 2016.

[6] Projeto de Lei nº 554 de 2011. Disponível em:http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102115. Acesso em: 23 de março de 2016.

José Carlos Ferreira Jr – Professor Universitário e Advogado,  com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica . Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.

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