Você conhece alguém bem temperamental, do tipo que se envolve em brigas e discussões com frequência? Uma pessoa colérica, de humor altamente instável, que, num minuto, está bem e, no seguinte, parece virar uma chave, transformando-se em puro ódio? Uma rosa perfumada que, ao se deixar tocar, revela uma infinidade de espinhos? Talvez você mesmo seja assim, afinal o sentimento da ira reside dentro de cada um de nós, em alguns mais entorpecido que em outros. Há situações, aliás, em que a raiva não só é justificável como imprescindível. Quando nos vemos diante de alguma injustiça, por exemplo, tudo que não devemos demonstrar é apatia. O sangue precisa ferver para valer em situações assim. De qualquer forma, aceitável ou não, a cólera só não pode nos consumir a ponto de perdermos o controle. É fundamental evitar tempestades desnecessárias.
Em qualquer jornada, haverá obstáculos, sustos e surtos. Surgirão problemas, que, como nos ensina o industrial estadunidense Henry John Kaiser, “nada mais são do que oportunidades vestindo roupas de trabalho”. E sabe uma boa forma de lidar com eles? Escolhendo bem que “roupa” vestir na hora de enfrentá-los. Será necessário se proteger com uma armadura? O desafio é tão sobre-humano que exigirá vestimentas – e comportamento – de super-herói? Ou será mais simplório, exigindo trajes mais básicos, roupa do dia a dia mesmo? Só a experiência dirá, meu amigo. É ela que vai lhe dizer a melhor forma de encarar as dificuldades e guiá-lo na escolha das roupas e armas, com base na força interior que você desenvolveu nos sucessivos embates que venceu ao longo da vida.
É importante sermos vigilantes. Apesar de nem sempre ser possível notá-los, há sinais de que estamos prestes a explodir. Nada acontece de repente, embora às vezes pareça que sim. Se nos mantivermos atentos, perceberemos o tempo ruim se formando, trazendo uma nova tempestade. Em algumas pessoas, a questão pode ser fisiológica, com os hormônios atuando de forma tal, que, quando alterados, causam irritabilidade, estresse, ansiedade, medo. Em outras, a raiva pode ser desencadeada em determinado contexto que invoque memórias de um passado ruim. E há aquelas nas quais o que se vê é apenas o “elefante” (lado irracional) aprontando para cima do condutor (lado ponderado, pragmático, lógico). O que importa é nos conhecermos o suficiente para sermos capazes de identificar esses fatores a tempo de controlá-los.
Assim, o primeiro passo para se evitar uma tempestade desnecessária é notar os sinais de que uma delas está se aproximando. Para mim, o aviso vem na forma de uma frase que surge na mente, algo como: “não aguento mais, não tolero mais isso”. Provavelmente, é diferente com você, pois cada pessoa tem seu próprio anjo soprando no ouvido. Talvez você ainda não se conheça o bastante para saber quando o seu está agindo. A melhor maneira de resolver isso é, após um episódio de ira, fazer uma profunda autoanálise, tentando descobrir o que aconteceu dentro de si antes da explosão propriamente dita. O passo seguinte é agir diferente do padrão. Levante-se, vá ao banheiro, cante uma canção qualquer mentalmente, ore, medite, conte até vinte e, depois, até zero, de trás para a frente. A intenção é interromper o estágio de formação das nuvens pesadas e acalmar a alma. Evitar estragos.
Pensando no tema de nossa conversa de hoje, lembrei-me de uma história que ilustra bem a ideia. É a história do respeitado mestre e filósofo indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986), o Sócrates do século XX, que conheci ao ler o livro “O Despertar de uma Nova Consciência”, do autor best-seller Eckhart Tolle.
Conta-se que o indiano, palestrante que viajou o mundo durante os cinquenta anos de atividade, fazia as pessoas se sentirem como se estivessem ouvindo um grande amigo falar, com frescor e clareza. Já no fim da vida, em uma das últimas apresentações, perguntou à leal audiência: “Vocês querem conhecer meu segredo?” Todos ficaram atentos. Aquele era um público que já o acompanhava havia décadas e que nunca vira uma chamada direta assim. E eis que o mestre lhes disse: “Este é o meu segredo: eu não me importo com o que acontece”.
O líder não disse mais nada, o que provavelmente deixou a audiência perplexa. Perplexa como você, imagino, está agora, sem entender. Mas eu explico. Há uma mensagem muito poderosa por trás dessa afirmação. O que o filósofo queria dizer é que os fatos existem simplesmente porque… existem. Despersonalizados, não definem o que somos nem o que seremos, salvo se nos incomodarmos com eles, se nos deixarmos influenciar. Em outras palavras, de nada adianta resistir no momento em que as coisas acontecem ou são reveladas, pois elas apenas são o que são.
Quer dizer que não podemos fazer nada para mudar nossa vida? Claro que podemos! Quando estamos alinhados com os fatos, sem impor resistência a eles, conseguimos nos conectar melhor com o presente, que é o momento no qual ainda podemos fazer algo para que o futuro seja melhor. Em vez de brigar contra a realidade, devemos partir dela para termos a chance de modificá-la, ainda que não imediatamente.
A filosofia de Krishnamurti fica mais fácil de entender quando lemos algumas das frases que ele nos legou: “A forma mais elevada de inteligência humana é dirigir a atenção desprovida de julgamento”; “A verdade está fora de todos os padrões, medos e esperanças; não pode ser convidada, não é um fim, um resultado , uma meta, pois não é uma coisa da mente”; e, por fim, a de que mais gosto: “A tranquilidade não surge com abstinência ou negação; vem com a compreensão do que é”.
A compreensão do momento em sua unicidade reduz o poder que ele tem sobre nós. Quando brigamos contra algo que aconteceu, ficamos à mercê de tudo que nos é externo, e o universo passa a ser o que determina nosso estado de espírito. Abdicar de combater o inevitável, por outro lado, seja a situação positiva ou negativa, ajuda a não nos tornarmos meros personagens do grande drama humano. Conseguindo domar a ira, controlamos todas as demais emoções nocivas, sem destruir nosso interior pelo que acontece lá fora e independentemente de nossa vontade, de nosso controle.
É fácil? Não. Acredito, na verdade, ser quase impossível chegarmos ao nível de percepção de mundo que Krishnamurti nos mostrou – e que, aliás, exigiu dele dedicação vitalícia ao autocontrole. A despeito de nossa incapacidade de alcançar o grau de entendimento que ele alcançou, o importante é a lição que nos ensinou, e não a provavelmente vã tentativa de seguir o seu segredo na literalidade.
Em vez de andar por aí sob nuvens pesadas, que tal seguir os conselhos do líder J. Krishnamurti e escolher não desperdiçar mais energia com acontecimentos cujo rumo você nunca conseguirá alterar? O que você acha de buscar autoconhecimento a fim de controlar melhor seu gênio? Aceita ao menos tentar, dentro de tudo que está a seu alcance, evitar tempestades? Acredite, preservar-se de tormentas só ajudará você a concretizar seus maiores sonhos. Para dizer o mínimo, tornará o mundo – seu e dos que estão próximos de você – um pouquinho melhor.
“O homem irado provoca brigas, e o de gênio violento comete muitos erros.” – Provérbios 29:22
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Gabriel Granjeiro – Diretor-Presidente e Fundador do Gran Cursos Online. Vive e respira concursos há mais de 10 anos. Formado em Administração e Marketing pela New York University, Leonardo N. Stern School of Business. Fascinado pelo empreendedorismo e pelo ensino a distância.