“Tudo parece mais formoso quando visto à distância, e as coisas apresentam relevo especial quando observadas na câmara escura da recordação.” – Théophile Gautier (1811-1872), escritor francês
Denis Diderot, expoente da filosofia do século XVIII, estava num jantar. A conversa girava em torno de um assunto que ele dominava perfeitamente, mas, naquela noite, havia algo estranho com o pensador, que se mostrava um pouco constrangido, distraído, temeroso de parecer tolo. Desafiado a discorrer sobre o tema, não conseguiu encontrar as palavras e foi incapaz de articular uma resposta inteligente. Em seguida, deixou a festa.
Do lado de fora, enquanto descia as escadas, continuou a remoer o momento humilhante pelo qual acabara de passar, anda perseguindo a réplica perfeita. Bastou chegar ao fim da escadaria que a busca terminou e a resposta surgiu cristalina e espirituosa em sua mente. Deveria dar meia-volta e proferi-la em júbilo? Claro que não! Era tarde demais. O momento – e consigo a oportunidade – havia passado. Então a frustração tomou conta. SE ao menos houvesse tido presença de espírito para encontrar aquelas palavras quando mais precisava delas…
Depois, refletindo sobre a experiência, Diderot resumiu: um homem oprimido por uma objeção levantada contra si só consegue voltar a pensar com clareza ao atingir o pé da escada.
Foi assim com ele e é assim com a maioria de nós em determinados momentos. Às vezes só conseguimos formular uma resposta aos questionamentos do agora depois de descermos os degraus da escada do passado e chegarmos à soleira. Antes, estamos cheios de medo e ansiedade, antecipando problemas de um futuro que nem sequer aconteceu. Quando nos vemos com tal estado de espírito e lançados a uma situação de grande pressão, a probabilidade de sairmos arrasados é altíssima. SE eu tivesse feito diferente, SE eu tivesse agido de tal forma, SE eu tivesse dito isso em vez daquilo… É a velha tentativa de capturar uma sombra que teima em se afastar e, quanto mais rápido você a persegue, mais ela dispara à frente.
Não há como avançar, como seguir em frente, como colher bons frutos enquanto não fizermos as pazes com nosso passado. Devemos aceitar que chegamos aonde chegamos precisamente porque tivemos uma história de peso, construída sobre erros e acertos, raiva e júbilo, culpa e orgulho, tristezas e alegrias, mágoa e perdão, fracassos e vitórias. Isso é deixar o que passou exatamente onde precisa ficar: no passado. Cada degrau dele deve ser revisitado apenas quando precisarmos nos munir de argumentos, força e coragem para enfrentarmos novos desafios.
Mesmo quem sabe disso fraqueja de vez em quando. Parece inevitável, e digo por mim. De tempos em tempos, me pego brigando com os Gabriéis de um, cinco, dez ou quinze anos atrás, culpando-os por algo que está acontecendo no meu agora. Faço isso até recobrar a razão e reconhecer: quanta ingratidão! É quando a lucidez me permite ver: só sou o que sou atualmente graças ao trabalho, ao esforço e às escolhas que essas versões anteriores de mim fizeram, nas condições e com os recursos e informações de que dispunham. Sei – e sou grato por isso – que agiram como entenderam que deveriam agir no seu tempo. Talvez uma ou outra decisão não tenha sido a melhor aos meus olhos de hoje, mas como evitar que isso ocorresse se lhes era impossível compreender a vida da mesma forma que a compreendo hoje?
Em outras palavras, de nada adianta interpretar o passado à luz do que se pensa no presente, tampouco tentar antever o que será melhor no futuro estando limitado pelo conhecimento atual. É, então, tirar esse peso do coração, essa culpa pelas falhas passadas, presentes e futuras, e começar a fazer escolhas das quais nossas versões de amanhã – certamente mais maduras e provavelmente melhoradas – também possam se orgulhar.
Portanto, se você quer se preparar para o que está no horizonte, tenha sabedoria para agir corretamente agora. Só constrói um amanhã promissor quem está em paz com o ontem, sem apontar terceiros como culpados nem viver pela metade. Se nos é dada a oportunidade de usar as experiências acumuladas, é porque tivemos uma história, e experiência não é resultado só do que aconteceu, mas também do que fazemos com o que aconteceu, das lições que aprendemos a cada experiência.
O dia de amanhã ainda não chegou para ninguém. Esteja preparado para fazer o melhor uso possível do seu, enxergando o seu ontem com um misto de felicidade e saudade e vislumbrando o amanhã com esperança. Cuide bem dele, empregando melhor o seu tempo desde já. Sócrates ensinou: “Não é ocioso apenas o que nada faz, mas é ocioso quem poderia empregar melhor o seu tempo”. O problema não está na falta, mas no desperdício desse bem tão precioso. Somos pródigos quando se trata de perder tempo. A vida é breve, mas a encurtamos ainda mais ao nos apegarmos demais ao passado, que não volta nem pode ser alterado, ou a um futuro que não aconteceu.
Enquanto não fizermos as pazes com a nossa história, seguiremos acumulando resíduos de sofrimento emocional. Esses ecos se misturam e se alojam em nós, no corpo e na mente, gerando um campo de energia negativa que nos impede de avançar. Algumas amarguras são inofensivas, mas outras revelam enorme potencial destrutivo. Os monstros que criamos podem atacar tanto as pessoas à nossa volta quanto a nós mesmos, seus “hospedeiros”.
O mais cruel disso tudo é que, quando as coisas passam, fica fácil ver o que tínhamos de fazer. Possíveis saídas para problemas já superados são evidentes, não é mesmo? Difícil é encontrar sempre a melhor solução no exato momento em que a dificuldade surge. Resiliência é essencial no enfrentamento dos obstáculos que aparecem o tempo todo para quem tem propósito. “O que depende de nós é, por natureza, livre, sem impedimento, sem contrariedade, enquanto o que não depende de nós é fraco, escravo, sujeito a impedimento, estranho”, diria o imperador romano Marco Aurélio.
Para resumir, concurseiro, concilie-se com a sua biografia. Encare – sentindo ou não sentindo medo – o PRESENTE e construa com solidez o FUTURO.
Estamos de acordo? Então registre nos comentários “Fiz as pazes com minha história!”, e vamos em frente!
“Quando temos coragem de entrar na nossa própria história e reconhecê-la, temos a oportunidade de escrever o final.” – Brené Brown, escritora
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